Carlos Correia Matias
Porquê, Senhores deputados recentemente eleitos, tanto “Pudor”?
Existem, vivos ainda, centenas de milhares de ex-combatentes da designada última guerra do Ultramar.
Portugal foi o primeiro País europeu a chegar por mar à India, onde, nos seus litorais, construiu um Império. O primeiro a chegar ao Japão. A Angola, ao Brasil, a Moçambique, etc. etc.
Os professores ensinavam “isto”, naqueles tempos, nas escolas primárias. Alguns até ensinavam que, no período da 1ª. República, rica em democratas e republicanos, foram mobilizados dezenas de milhares de militares que, apoiados na tropa “indígena”, enfrentaram os alemães no sul de Angola (Namíbia) e no outro lado do lago Niassa.
Muitos dos mobilizados de 1961 a 1974 tinham na família gente que se batera na primeira grande guerra, na Flandres e em África. Muitos até sabiam quem tinha sido o Gungunhanha, Paiva Couceiro, Serpa Pinto, etc.… Integravam obrigatoriamente um exército que se podia considerar de “popular”, constituído, na base, por soldados, furriéis e alferes milicianos. Todos comandados por uma minoria de militares do quadro permanente, profissionais que mantinham, defendiam e sustentavam o fascismo português. Humberto Delgado e outros poucos que se opunham eram rapidamente neutralizados.
A generalidade dos mobilizados não sabia, teoricamente, o que era o fascismo, o comunismo de leste… Ir para a tropa era o cumprimento de um destino histórico.
Ouviam falar às vezes que os brancos, em África, exploravam e até escravizavam os negros nativos. Mas isto não os surpreendia. Trabalhadores, a maior parte oriundos da Beira, iam na altura própria para os latifúndios do Alentejo, onde não eram melhor tratados. E eram brancos…
Dezenas de milhares de expedicionários, muitas vezes ao lado de tropa “indígena”, testaram em combate os limites humanos da devoção, da solidariedade.
Integravam um exército “Popular”, repete-se.
A falta de vivência, a “ignorância” da maioria dos deputados eleitos é evidente. Muitos deles formados nas Universidades dos Trezentos que pulularam sem nexo, a seguir ao Abril de 1974, para se demonstrar que já não éramos um país de analfabetos, mas sim de engenheiros e doutores, nada dizem ou disseram na campanha eleitoral sobre o nosso passado recente nem sequer referenciando a C.P.L.P., instituição criada por iniciativa de ex-colónia, o Brasil. Em compensação, sabem tudo sobre a Europa. Nada sabem acerca da rainha Ginga…
Salgueiro Maia, o bem intencionado Capitão de Abril, avançou correndo riscos, de Santarém para o Terreiro do Paço. Qualquer alferes miliciano do batalhão de que fiz parte e onde não era operacional, corria trezentas vezes mais riscos, quando ultrapassava o arame farpado do acampamento, em Zemba e Muxaluando.
Senhores deputados recém-eleitos: V.s Exa.s nunca assistiram ao arriar da Bandeira Portuguesa ao Pôr-do-Sol, na fortaleza de Luanda, em cerimómia portagonizada por soldados que há dois anos não viam a família. Essa bandeira simbolizava os que ficaram lá longe na Metrópole e os seus antepassados. Não tinha nem tinham nada a ver com Salazar ou com Caetano.
Senhores deputados: não tenham pudor em falar e referir-se aos combatentes ainda vivos e aos milhares que morreram na nossa história recente. Recordar também os muitos milhares de africanos que integravam o exército português e foram miseravelmente abandonados pelos que os comandavam, para virem a ser, muitos deles, massacrados. Ingleses, holandeses e franceses acautelaram, na descolonização, estas tropas.
O nosso futuro passa pelo bom relacionamento e acordos com os países da C.P.L.P.. Não com dependências da Europa que tanto prezam. Será preferível, em nosso entender, sermos uma feitoria angolana na Europa a sermos um protetorado alemão…. Há que não ignorar o nosso passado recente. Fascismos nunca mais…
Mas a descolonização exemplar precisa de ser julgada “historicamente”. Não para mandar seja quem for para o Tarrafal. Mas para explicar às novas gerações por que havia quem apoiasse Moscovo, que queria as posições estratégicas que os portugueses tinham no mundo, ou quem estava às ordens de Washington que pretendia o petróleo de Angola. Claro, diziam, oportunisticamente, para nos libertarem do fascismo. De que todos em Portugal estávamos fartos.
Silêncios e fascismo nunca mais, repete-se. Esquecer ou apagar a “história” não dá futuro a ninguém.Redação Gazeta da Beira
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