Carlos Bianchi

As Eleições Gregas do passado dia 25-01-2015

Historicamente, a Grécia Antiga é a idílica pátria de alguns dos direitos fundamentais da Humanidade (pelo menos, na visão ocidental que temos deles).Claro que esta nossa «visão» é anacrónica e simplista quanto à realidade histórica.

No Domingo passado (dia 25 de Janeiro de 2015), a Grécia Moderna passou, por um dos mais importantes da vida democrática – a realização de eleições – e o povo grego, em liberdade e de forma esclarecida, teve a oportunidade de eleger os seus mandatários, para os próximos tempos.

Há muitos que, por aí, vão augurando o surgimento de uma nova vaga de crise, por conta do discurso anti – austeridade do partido mais votado. Outros há, que vêem, nos resultados das eleições gregas, uma vitória da linha de pensamento mais esquerdista que os vai catapultar para vitórias nacionais. Na minha modesta opinião, os comentadores mais à direita e à esquerda que tenho ouvido e lido, sofrem da mesma miopia e propensão para o simplismo, dos que acham que a Grécia Antiga é o local de origem da Democracia e da Liberdade, enquanto princípios, com o conteúdo que hoje lhes damos.

Em primeiro lugar, parece que os analistas se esqueceram que o SYRIZA, que se apresentou a eleições no dia 25 de Janeiro de 2015, já não é o que nasceu em 2004, nem o que foi para as ruas em 2010. Na verdade, a coligação de esquerda radical grega abandonou o discurso anti-europeu e anti-moeda única, porque percebeu que uma Grécia, sem a Europa, levaria a mais crises económicas e sociais. Manteve, honra lhe seja feita, a base anti-austeridade do seu pensamento, apresentando ao povo grego, o seu caminho e o seu modo de lidar, com a crise económica que o seu país atravessa. Mas fê-lo, com propostas concretas e explicando as suas consequências aos gregos, sem se importar muito com as ameaças externas, que, salvo melhor opinião, constituíram uma forma intolerável de chantagem sobre uma nação soberana.

Em segundo lugar, o SYRIZA já demonstrou, nos últimos dias, quanto pode ser flexível, ao aliar-se a um partido conservador, eurocético, nacionalista e xenófobo, para formar governo. Em comum, SYRIZA e ANEL têm uma única coisa, a política anti-austeridade. No resto, não podiam ser mais diferentes. O que prova que o radicalismo pode soçobrar às necessidades de manter o poder.

Em terceiro lugar, a vitória do SYRIZA, na Grécia, pode dar alento a movimentos, como o «Podemos» espanhol, mas, dificilmente, será um factor de alavancagem, para a esquerda radical portuguesa. Isto porque, os movimentos da esquerda radical portuguesa, ao contrário do SYRIZA, o que fazem é dizer que há alternativas à austeridade, mas não dizem quais, nem nos explicam que consequências teriam. Ora, os portugueses, como os gregos, também querem saber o que pode acontecer, se trilharem um rumo alternativo, mas nunca o farão se não souberem quais as consequências. Logo, dificilmente a esquerda radical portuguesa terá, do povo, um «cheque em branco». Escaldados já estamos todos.

Em quarto lugar, a própria Europa já percebeu que a política económica tem de mudar. As mais recentes propostas de Mário Draghi e Jean-Claude Juncker, para financiar o sistema financeiro, por um lado, e apoiar o crescimento das empresas, por outro, deixam antever que a austeridade, por si só, não é solução para a crise económica que atravessamos.

Para terminar nestas eleições, partidos, como os Gregos Independentes e a Aurora Dourada cresceram. Olhe-se para aquelas forças políticas e para as Frente Nacional francesa e belga, o British National Party inglês, o PND alemão, o PVF finlandês, o PPD da Dinamarca, os Partidos da Liberdade austríaco e holandês, o Movimento por uma Hungria Melhor e a Liga Norte de Itália e vemos, com preocupação, por certo, uma o crescimento de uma linha de pensamento – a do isolacionismo xenófobo e ultranacionalista. Exactamente, o contrário do ideal de construção da União Europeia – “o desejo de criar um continente mais livre e justo à medida que as relações entre países se iam desenvolvendo de forma pacífica, para evitar por todos os meios um novo conflito entre os países europeus”. Isto, sim, é algo que nos deve preocupar a todos, porque pode significar o regresso da Europa da primeira metade do seculo XX.

 

Advogado

Publicado em https://entre-o-montemuro-e-o-paiva.blogspot.com

 

Grécia: tornar possível o “impossível” (e vice-versa)

João Fraga de Oliveira

“As primeiras prioridades são negociar acordos impossíveis entre o Governo grego e a troika”, afirmou o ministro das Finanças (Yanis Varoufakis) do novo governo saído das eleições de 25/1/2015 (entrevista à Antena Um, 27/1/2015).

É isso que tem feito, tal como o primeiro-ministro grego, em deslocações a vários países da União Europeia, nestes dias após as eleições e a (rápida) tomada de posse.

Colocados perante o desespero de, numa situação de emergência económica, social e humana, em “estado de sítio” (título de um filme de culto de 1972 do grande realizador grego Costa-Gavras), lhes ser exigido o impossível (“sem alternativa”, cumprirem estritamente as “regras” estabelecidas com a (pela) troika e da União Europeia, com uma dívida pública de 320.000 milhões de euros, 175,1% do PIB, uma taxa de desemprego de 27,5%, correspondendo a 1.400.000 desempregados, um grego na pobreza em cada quatro e, em geral, uma gravíssima crise humanitária e social), apesar de toda a chantagem antidemocrática que sobre eles foi exercida pelos “mercados” e, por interesse directo ou subserviência, pelos guardiões tecnocratas e farisaicos das regras da União Europeia e, sobretudo, de um memorando (leonino) assinado pelo governo anterior com a troika, os gregos foram buscar ao desespero coragem e esperança para acreditarem que é possível tornar possível o que lhes estão a tornar impossível: economia e soberania como país, dignidade como pessoas, humanidade como seres humanos.

Não faltam por aí “comentadores”, “especialistas”, politólogos e “tudólogos” a salientar o “radicalismo” do novo governo, particularmente a partir das primeiras medidas tomadas após a tomada de posse, em 27/1/2015. Por exemplo, aumentar o salário mínimo para os valores de 2011, devolver o acesso à saúde pública aos desempregados há mais de três meses e à energia eléctrica a 300.000 famílias a quem tinha sido cortada por não a poderem pagar.

“Radicalizaram-se”? Sim, foram às raízes da História, à Grécia Antiga de há quase 25 séculos, reavivar uma referência radical: “O Homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras). O Homem e não o dinheiro, como querem que o seja, por subversão deste pensamento do filósofo, os(as) radicais inumanos e associais do financeirismo, do neoliberalismo e da tecnocracia. Sim, os gregos (re)afirmaram agora como referência política prioritária a raíz (por definição) da democracia: o povo (“demos”), as pessoas que a via do radicalismo de contraproducentes “regras” austeritárias (sobretudo, como e quando as aplicar) colocou numa situação de descalabro humanitário.

É claro que há compromissos eleitorais internos a cuja concretização o governo grego não pode furtar-se, mormente quanto à eliminação da grande evasão fiscal e outras reformas. 

Mas, perante as propostas do novo governo grego, esta é uma oportunidade para que, na Europa (e não só), ponderando e negociando essas propostas, os senhores (e as senhoras) do dinheiro, do poder e das “regras” (e os que, por subserviência ou interesses, lhes reforçam o poder) mudem o discurso, a atitude, as práticas e as “regras” económica, social, humana e circunstancialmente impossíveis de cumprir. Pelo menos, no que respeita à Grécia (e, ainda que noutro grau, até a Portugal), na forma e tempo estritamente estabelecidos para o seu cumprimento. 

Se isso não acontecer, não obstante o cumprimento “á risca” de todas (est)as “regras”, pelo que por aí se está a ver pela Europa fora (incluindo, marcadamente, na Grécia), há o risco de a esses sinais se seguir algo objectivamente tão ou mais catastrófico e (perversamente) “radical” que a última das duas megabarbáries que, no século passado, ainda não há 70 anos, foi precedida de idênticos sinais.

Ou seja, se os gregos, para a sua sobrevivência como sociedade e como país soberano, estão a querer tornar possível o (dito) “impossível”, é avisado que a União Europeia, para a sua sobrevivência como comunidade económica, social e política, aproveite e (se) reflicta e (se) cuide no sentido de, tanto quanto possível, tornar impossível o que, perversamente, pode ser (de novo) possível.

Redação Gazeta da Beira

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