CÃO DE LOIÇA por Rui Chã Madeira

O novo significado dos laços humanos

Quando alguém que verdadeiramente gostamos falece, naquilo que seremos após o seu desaparecimento, o que remanesce, ao longo do tempo que distancia a falta de contato, são as memórias dos preciosos momentos em conjunto, as imagens partilhadas e principalmente as palavras que como uma fórmula e uma orientação nos farão companhia até ao momento em que a nossa existência, enquanto seres únicos e irrepetíveis, com todos os defeitos e virtudes, também terminará.

Desenvolvemos apaixonada afinidade com determinadas pessoas porque, de uma forma intimamente pura e sem grandes exigências de parte a parte, a experiência foi emocionalmente significativa. A real prova contata-se por aquilo que absorvemos, elaboramos, partilhamos e construímos como um laço humano envolvente e gratificante o qual, caso tenhamos competência e disponibilidade para isso, estamos preparados para replicar. Nos novos tempos, infelizmente, verifica-se que pouco ou nada é absorvido, quase nada é elaborado e muito menos partilhado adequadamente.

Muitos pensadores, mais ou menos letrados e incisivos, debruçam-se sobre esta temática fazendo uma ligação entre o estado atual da fluida e superficial sociedade e a respetiva desconsideração dos laços humanos que supostamente deveriam ser o maior pilar da nossa sustentação afetiva. Verifica-se o nosso literal afogamento na cultura do mediatismo, no prazer imediato e na individualização, tornando-se, desse modo, impossível adicionar todos os fragmentos numa só estrutura que permita uma disponibilidade emocional para identificar corretamente a visão e a construção da felicidade suportada pela equação nós e os outros. Num mundo pós moderno, a condição de um individuo advém de um novo conceito de amizade que de forma indeterminada e pouco consequente pode ser ligada quando importa e desligada quando já não é necessária. Somos e deixamos ser usados de tal maneira que as nossas ações e as nossas relações de proximidade perderam em virtude e ganharam em futilidade. Quando ligamos as relações de amizade, de forma positiva enchemo-nos de informação vital dado que constatamos como reage o outro e em consonância e de forma coerente sentimos a nossa própria reação. No entanto, mesmo ligados, algumas relações terminam, desencadeando todo um processo bastante traumático porque, de igual forma, também perdemos alguma coisa. Para evitar esse desconforto, a ordem atual permite-nos optar em simplesmente desligar, evitando, dessa forma, grandes explicações, desculpas e eventuais mentiras. Aprendemos que tudo isto é desculpável e fácil de manipular, porque amanhã teremos mais amizades e criaremos novos laços, nem que sejam, novamente, temporários e descartáveis.

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