CÃO DE LOIÇA de Rui Madeira

Em como um afeto pode ser considerado como um ato subversivo

Em como um afeto pode ser considerado como um ato subversivo

Para que uma situação tenha um estrondoso impacto é necessário a incorporação de apenas dois ingredientes: em primeiro lugar realizar uma ação que, mesmo que esteja em voga a ascensão paradigmática da mesma, seja considerada imoral e que ainda não tenha sido absorvida pelo corpo regente da sociedade em que se insere e em segundo lugar propagar essa ação por intermédio dos órgãos de comunicação social e das plataformas digitais. Depois é esperar que a notícia seja lançada e descontraidamente sorver todos os comentários e todos os argumentos proferidos por especialistas e por não especialistas. Com ou sem intenção, porventura sem, duas jovens dentro das instalações de uma escola onde estudam, por intermédio de um singelo beijo entre pessoas do mesmo género, conseguiram o feito que se propagou como uma catapulta medieval em muitas direções. Perante isto e antes de avançar na reflexão, verifica-se, claramente, que apesar da suposta emancipação sobre relações afetivas entre pessoas do mesmo género, ainda existem muitas resistências em vários domínios, sendo que, para este caso em particular, os menos complexados foram de facto as duas jovens e os restantes colegas que procederam a uma postura reivindicativa face à atitude tomada por alguns agentes educativos. Aceitamos que não é fácil agir em relação a uma circunstância deste tipo e que deve haver bom senso ainda mais num local onde fervilham mentalidades ávidas de demonstrar as suas opiniões e participarem ativamente numa sociedade que em breve será a delas. Não é simples agir num mundo em que o paradigma vigente está a mudar mesmo que o sistema de valores e a moralidade ainda continuam impregnados com os velhos costumes. Se ainda assim é, alguns ditos emancipados, devem rever se de facto estão resolvidos ou se ainda comungam com o antes e dessa forma tornam-se responsáveis pela criação da problema. Obviamente que quem viu não achou uma situação normal e quem atuou, com título de uma perspetiva de defesa, agiu considerando um equilíbrio que não conseguiu manter. Os jovens, de ambos os géneros, por muito que ainda não seja percetível, sabem muito mais e estão muito mais adaptados às novas realidades, às novas liberdades e são eles os maiores veículos da mudança tal como o seus pais o foram na altura da demonstração de afeto sem pudor nos bailaricos e os seus avós no beijo escondido enquanto a mãe da donzela ia à casa de banho. Esses pais e esses avós, alguns professores, infelizmente esqueceram-se da sua própria emancipação. Se não fosse assim não vinham a público considerar o ato das jovens como não natural. Impedir uma manifestação de afeto e a liberdade de expressão é substancialmente mais grave que um simples beijo, seja em que boca for.

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