António Gouveia

Descidas de cumes e picos de muitas montanhas

Num desses curiosos vídeos com que a net nos surpreende, vi e ouvi um alpinista do Equador dizer que, não raro, é a descida, depois da aventura, alegria e gozo de conseguir chegar com ousadia, esforço, coragem e sacrifício à altura de 8.000 metros do pico do Evereste, que mais mortes produz, o que – acrescento eu -, desmente o ditado sempre ouvido: “a descer, todos os santos ajudam”. Diz este equatoriano experimentado tal acontece por que a falta de oxigénio no mais alto cume da montanha logo se transforma em sufoco e falta de ar depois do feito conseguido, acessível a poucos campeões, depois de apreciada a vista e a lonjura das serras e montes, há o desejo incontrolável de querer descer para sorver mais oxigénio e respirar, poder contar e recontar a façanha a outros, essa a razão por que colegas seus de várias nacionalidades, apressados, sucumbiram no caminho de regresso, parecia mais fácil, objetivo  cumprido, descer montanhas é melhor que trepá-las. Fiquei conhecedor, mais uma, o saber é a parte do Homem que, desde que anda por cá, se junta ao ser e ao sentir, ensina António Damásio, aprendemos até morrer. Deste vídeo retiro mais razões de ser, não apenas a deste alpinista altruísta que  o quis partilhar connosco e quer chamar-nos a atenção de outra montanha complicada, esta pandemia em que, qual nevoeiro, continuamos envoltos e mergulhados, “mucho ahora en la cumbre” perto do desconfinamento que todos muito ansiamos, pois, a sua descida pode deitar-nos a perder. Muita prudência, portanto.

Não o renegando, bem ao invés, vou falar das eleições americanas, dessa barbaridade que republicanos vândalos e bárbaros continuam a semear, treparam ao edifício do Capitólio, a montanha do parlamento e símbolo da democracia americana, instigados por um (ainda) presidente, louco, bárbaro e vândalo da palavra e do Twitter. Pergunto-me, perplexo: por que Trump não pode ser selecionado por um qualquer demente, vândalo ou anarquista e engrossar a lista dos quatro presidentes americanos assassinados, já que, sem razões aparentes, três deles, republicanos (Lincoln, em 1865, Garfield, em 1881 e McKinley, em 1901) e um democrata, Kennedy, em 1963, mereciam ter continuado a viver. Com este assalto ao Capitólio, que todos vimos, horrorizados e confundidos pelo horror da arrogância, barbárie e truculência, temos de concluir que a América, como vou lendo na imprensa global, atingiu também o seu cume, a partir daqui a viagem de regresso será imparável e impiedosa depois de tantas conquistas. O historiador britânico Arnold Toynbee – curiosamente hoje pouco lido no seu país, esta minha apreciação decorre da idiotice do Brexit -, e autor de obra monumental sobre o crescimento e queda das Civilizações, diz que “os grandes impérios terminam porque se suicidam e não por terem sido assassinados”. Quem conhece a História sabe isto.

Por último, outro cume ou pico, o desta pandemia, última nota sobre as eleições presidenciais que teimam em realizar no dia 24 de janeiro. Por causa, desculpa esfarrapada, da Constituição, como se o Livro não possa ser fechado, temporariamente, o estado de emergência justifica-o, plenamente. Para alguns, Marcelo Rebelo de Sousa incluído, dono exclusivo e rigoroso da (sua) verdade, um orgulho para si e uma arrogância e pesporrência para outros, paradoxos que chocam com a sua bonomia; ou, para ser verrinoso e mais claro, uma humildade de fingimento, uma imodéstia verbal truculenta e de hipocrisia. Somos humanos, todos temos fragilidades, já sei. Mas esta tolice pode sair cara se o povo, quem mais ordena e tem peso muito específico nesta cada vez mais frágil democracia, decidir ficar em casa, chateado e confinado, vingando-se da pandemia nesta frágil democracia. Veremos, por mim irei votar, o meu cérebro tem duas partes: sentir e pensar, sempre que posso vou com esta.

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