António Gouveia

Ai, Jerusalém, Jerusalém …

O imperador Vespasiano, enquanto general, não conseguiu vencer a questão judaica e derrotar Jerusalém, cidade rebelde, cidade histórica, muitos mitos e realidades, alianças e traições, objetivo que colocou nas mãos do seu filho Tito, mais tarde seu sucessor e que este cumpriria no ano seguinte, 70 d.C., não sem dificuldade, massacrando com especial crueldade todo um povo acantonado dentro das suas muralhas, escondido nos seus muitos túneis, obrigados a escolher a morte e não a rendição. O escritor judeu e aliado romano Flávio Josefo, no seu livro “A Guerra dos Judeus”, justifica a destruição assim: “A rebelião destruiu a cidade e os romanos destruíram a rebelião”. Repetia-se o feito de Nabucodonosor 657 anos antes e cumpria-se assim a profecia de Jesus Cristo, vaticinada poucos dias antes da sua entrada triunfal em Jerusalém rumo à crucifixão.

Trump vestiu a pele do imperador romano nestes tempos modernos, não arriscou visitar Jerusalém na data em que o povo judeu comemorava – que coincidência! – 70 anos da sua fundação como nação (14 maio 1948); ao invés e à cautela, não fosse o diabo tecê-las, enviou filha e genro à cerimónia para inaugurar a nova embaixada americana. História pragmática este gesto provocatório condenado mundialmente, o senhor da guerra e amigo de Israel, valida Jerusalém como capital judaica e humilha o povo palestiniano, os novos rebeldes e povos sacrificados destes tempos modernos, para ele povo terrorista, uma nova intifada e vários mortos e feridos na cobarde mistura, a desproporção de forças e o paradoxo: pneus a arder, fundas e atiradeiras de seixos da praia de Gaza contra metralhadoras, tanques e canhões. O mesmo povo judeu, povo mártir sacrificado violentamente durante a II guerra mundial às mãos de Hitler e do nazismo, memória perdida apesar do museu Yad Vashem, outra memória, fundado para honrar e perpetuar “os justos entre as nações e os mártires e heróis do holocausto”. Mas há mais contradições e coincidências: os judeus fazem as suas orações junto ao muro secular das Lamentações e, por outro, nem se dão conta da existência do outro muro de outras lamentações, muro da vergonha, ali bem perto que os divide da Palestina e sufoca os seus habitantes no meio de tanta miséria.

É verdade que Jerusalém, ao longo dos séculos, desde há mais de 5.000 anos, tem sido palco de muitas histórias de terror, contradições e perseguições, por ali se cruzaram, competiram, discutiram e lutaram várias tribos e seitas, profetas e patriarcas de religiões monoteístas e seitas adoradoras de muitos ídolos,  reinos, califados, faraós, impérios e grandes personalidades: Moisés, David, Salomão, Ciro, Dario, Alexandre, Herodes, Jesus Cristo, Cleópatra, António, Maomé, Saladino, assírios, egípcios, caldeus, babilónios, persas, macedónios, macabeus, mamelucos, otomanos e árabes muçulmanos, judeus e cristãos. Quase todos filhos de um único descendente, Abraão, a árvore que originou estes três ramos e religiões produtoras do bem e do mal, da verdade e da mentira e muito fundamentalismo no choque das várias civilizações.

 

Quem visita Jerusalém, tirando a rudeza e arrogância militar de uma cidade extremamente desconfiada e securitária e a crueldaede do muro, é também envolvido por um misticismo a que não pode escapar, sobretudo quando, do alto do monte das Oliveiras, espalha o olhar sobre a cidade e o levanta desde o Vale de Cédron percorrendo todos aqueles túmulos, sepulturas e mausoléus seculares que transformam a longa encosta num enorme complexo mortuário, lugar de ossadas ilustres na esperança da ressurreição em que acreditam espiritualmente mas cuja fé não valoriza. Há nesta paisagem algo de deslumbrante e transcendente, histórias de maravilhas, grandezas, misérias ao longo dos séculos e outra contradição ou interrogação: como justificar esta inimizade histórica e secular que choca com a fé e a esperança destes povos irmãos?

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