António Gouveia

Divagando sobre as duas revoluções de outubro

500 e 100 anos separam duas grandes revoluções comemoradas nos dias 31 e 29 passados. Quem foram os homens fortes, os protagonistas, destas histórias centenárias? Que consequências para a humanidade e sociedade? Martinho Lutero, nascido no então Sacro Império Romano-Germânico era filho de camponeses, o pai gerente nas minas, estudou e fez-se frade agostiniano, na primeira. Na segunda, Vladimir Ilyich Ulyanov (Lenine), nascido em família da classe média alta, acompanhou-o o intelectual marxista Lev Davidovich Bronshtein (Leon Trotsky), mais tarde perseguido, foragido e mandado assassinar pelos esbirros do sanguinário Iossif Vissárionovitch Stalin (Estaline), outro dos revolucionários comunistas, todos inspirados nas teorias de Marx e Engels. Como seus adversários, na primeira, Giovanni di Lorenzo de Medici (Leão X), último não sacerdote a ser eleito papa, oriundo de uma família rica de Florença e o imperador Romano-Germânico Carlos V (Carlos I, rei de Espanha), filho de Joana, a Louca e neto, por este lado dos reis católicos, casado com Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I; na segunda, o último Czar e Imperador da Rússia, Nikolay Alexandrovich Romanov, (Nicolau II), assassinado com a família em julho de 1918 pelos bolcheviques vermelhos, fação revolucionária que disputava o poder com os mencheviques brancos e o Papa Giacomo della Chiesa (Bento XV), um genovês italiano oriundo de família nobre,  eleito dias depois do início da I Guerra Mundial e que promulgou o Codex Iuris Canonici, ou Código de Direito Canónico.

Feita a síntese destas duas revoluções é hoje comumente aceite pela maioria dos historiadores que a primeira teve consequências fortes e dolorosas, mas muito positivas na evolução do pensamento humano, político e religioso, apesar de tudo o que se lhe seguiu, já a inquisição tinha feito a maior parte do seu caminho nas fogueiras das heresias, antes do caminho da cruz e das pedras, este depois de Jesus Cristo, Estêvão um dos primeiros mártires a ser apedrejado. Lembro-me, quando era pequeno, o que para nós crianças representava ser protestante, Lutero, Calvino e Henrique VIII, divergências e diferenças religiosas olhadas de soslaio e  desconfiança pelo catolicismo, as guerras religiosas de antanho, o sofrimento dos judeus, dos cristãos às mãos dos romanos, judeus e muçulmanos perseguidos, apesar de descendentes de um antepassado comum, o pai Abraão, religiões monoteístas com um deus comum, cada uma com uma visão diferente, como se nós, simples mortais, pudéssemos avaliar ou definir esse conceito inimaginável e longínquo de Deus, conceito que, no limite e mais baixo patamar do nosso pensamento, poderemos intuir, imaginar e sentir naquele clímax da meditação apanágio dos santos e eremitas, a alegria íntima e o conforto espiritual no seu maior esplendor com que por vezes (poucas) somos invadidos e não sabemos explicar, quando ousamos subir à montanha, o nosso monte Tabor, voar por aí além, sem peias  e horizontes que perturbem as suas asas.

Já quanto à revolução russa ou comunista, outros historiadores aceitam que foi uma revolução perdida, milhões de deportados para a Sibéria e mortos na utopia de uma sociedade que se queria diferente, sem classes e todos iguais. Fernando Pessoa previu-o em 1922, no “Banqueiro Anarquista”, referia a revolução russa como “qualquer coisa que iria atrasar dezenas de anos a realização da sociedade livre”. Enfim, uma utopia, convenhamos, a sociedade continua a não ser livre, teimamos numa igualdade que é uma miragem, muitos continuam a ser mais iguais que outros, basta olhar à nossa volta, ver quem nos rodeia e como atua, as razões por que são mais iguais (ricos) que outros, conhecidos os seus rendimentos versus as suas inteligências limitadas conjugadas com uma esperteza ilimitada, traduzida naquele aforismo que se aprende em Direitos Reais e bem reflete esta realidade: “Nemo plus iuris transferre (ad allium) quam ipse  habet”, frase que o povo sabedor traduz assim à letra e em provérbio: “Quem cabritos vende e cabras não tem … de algum lado lhe vem”. Enfim, uma seca agreste tal como esta por que passamos, ou como escreveu Camões, “Fogo que arde sem se ver, / ferida que dói e não se sente, /Contentamento descontente, / Dor que desatina sem doer, / Um não querer mais que bem querer,/ Um cuidar que ganha sem se perder/. Ou ainda, como escreveu Sofia Andresen, para concluir com desalento: “Vemos, ouvimos e lemos, / Não podemos ignorar. Assim, para ver, ouvir e aprender mais – nunca chegarei lá, gostava de perceber como funciona o cérebro e a nossa mente, esta máquina complexa e poderosa, hoje que tanto de fala de Inteligência artificial (IA) – irei comprar e ler o novo livro “A Estranha Ordem das Coisas” de António e Hanna Damásio, casal de investigadores bioneurologistas, mais um à volta dos “sentimentos, experiências de emoções” das sensações que a nossa observação da realidade nos transmite. Será por aqui, nestes caminhos neuronais do cérebro, mente e pensamento, nesta subida à montanha, que tentarei a aproximação de Deus (ficarei muito longe, estou certo), não a um deus justo no sentido de justiceiro a que me habituaram na catequese quando pequeno, mas ao deus misericordioso com que o Papa Francisco agora nos quer surpreender. Curioso, ouvi esta explicação a um ainda jovem padre, há dias na missa. A catequese continua a evoluir, é bom, e eu continuo a aprender, também é bom. Até morrer e, se o conseguir, também é bom, estarei lúcido até ao fim. Escrevi esta crónica no dia de todos os Santos e véspera de Finados, et pour cause.

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