António Bica

A subversão dos princípios democráticos nos países de economia liberal

A aceleração do desenvolvimento tecnológico posterior à Segunda Guerra Mundial, a libertação dos povos colonizados do domínio dos Estados colonizadores e a generalização do ensino em quase todos os países determinaram rápido crescimento da riqueza no mundo, embora com fortes assimetrias entre os países e, dentro destes, entre as camadas sociais.

Grande parte da riqueza criada tem ficado nas mãos de número reduzido de grandes empresas transnacionais e de indivíduos, o que lhes permite influenciar fortemente a escolha dos que detêm o poder político e as decisões deles, embora o grande crescimento da produção de bens em todo o mundo também tenha beneficiado (em muito menor escala) as camadas sociais que vivem da venda da sua capacidade de trabalho.

Essa influência é exercida pelo financiamento dos partidos que dão melhores garantias de defender os seus interesses e das campanhas eleitorais. Fazem-no também pela pressão directa sobre quem detém o poder político, pelo controlo da opinião pública através dos grandes meios de comunicação social que dominam (televisões, grandes jornais e rádios) e pela contratação para os órgãos sociais das suas empresas dos políticos que melhor defenderam os seus interesses enquanto foram detentores de poder público. Nos EUA o assegurar desses interesses é feito abertamente pela escolha de quadros ou administradores das maiores empresas para integrarem a administração pública.

 

Deste modo têm vindo a ser minadas as bases democráticas do governo dos países, mesmo que em cada vez maior número deles se mantenha a democracia formal que a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem reconhecem como valor universal. Mas o que existe é pouco mais do que aparência de democracia.

As sofisticadas técnicas de publicidade comercial criadas para convencer os indivíduos a comprar frequentemente o que não precisam e mesmo o que prejudica a saúde são usadas pelos poucos que detêm a parte mais significativa dos meios de produção para determinar, pelos grandes meios de comunicação social, os cidadãos a votar nos candidatos ao poder público que lhes convêm. Assim procuram levar ao poder os políticos que melhor defendem os seus interesses. Isso, além de notório, é algumas vezes assumido, como consta do jornal diário “Público”, edição de Lisboa de 1 de Junho de 2012, na pág. 60, 3ª coluna, parte final. Nesse jornal controlado por Belmiro de Azevedo, uma das grandes fortunas de Portugal, foi citado Pinto Balsemão, ex-primeiro-ministro, dono da cadeia de televisão SIC, do semanário de grande difusão “Expresso” e de outras publicações, nessa matéria insuspeito: «Como disse recentemente Pinto Balsemão num debate de jornalistas, “a realidade é que quem tiver muitos milhões pode gastar alguns em empresas de comunicação social, que nunca ganharão dinheiro, mas serão úteis ao cumprimento dos objectivos dos milionários deles proprietários”».

A sistemática e hábil repetição de informações ou do seu desmentido e de ideias e valores, ou a sua repetida rejeição e condenação, sobretudo se feita com aparência de imparcialidade e de diversidade de opiniões, leva a larga maioria dos cidadãos ao convencimento de corresponder à verdade. Como escreveu na primeira metade do século 5 o teólogo Vivêncio de Lerins no “Tratado acerca da Antiguidade e da Universalidade da Fé Católica”: «Deve considerar-se verdadeiro o que é acreditado em todo o lado, sempre e por todos» (citado por Ambrogio Donini em “História do Cristianismo das Origens a Justiniano”, Edições 70, 1988, pá. 250). Para a generalidade das pessoas não há outro critério de verdade senão o que repetidamente lhes é dito ser verdadeiro, frequentemente com intenção enganosa.

O engano das populações pelos detentores dos grandes meios de produção através dos  meios de comunicação social que controlam, do cinema e de muitos dos livros é o maior obstáculo actual ao funcionamento da democracia. Usam-no, repetindo habilmente o que melhor serve os seus interesses, para que os cidadãos acreditem.

Sendo necessário denunciá-lo, não se pode deixar de reconhecer razão, na comparação das democracias formais (assim pervertidas) com os regimes autoritários fascistas, no comentário já ouvido: “Mal por mal, preferível é que nos enganem a que nos prendam e agridam.” Eliminar esta perversão da democracia é tarefa política que se impõe aos que se não conformam com ela.

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