António Bica

Notas sobre a organização da Floresta no norte e no centro do país

  1. As razões por que no Alentejo os fogos florestais surgem raramente e não queimam grandes áreas senão muito excepcionalmente. A razão por que no Alentejo os fogos florestais são raros e não chegam a grande dimensão está em aí dominar a área de propriedade acima de 100 hectares, os seus cultivadores associarem à floresta a exploração do solo sob o coberto do arvoredo com predomínio de sobreiros e azinheiras, actualmente quase só com pastagem para bovinos, ovinos, porcos de montanheira e alguns caprinos, embora até à década de 1960, como é acima referido, com significativo peso da cultura de cereais (aveia, também cevada e algum trigo) no sobcoberto dos sobreiros e das azinheiras.

Por isso a altura dos matos é nesses terrenos controlada para haver pastagem para os gados no sobcoberto do arvoredo, sendo abertos anualmente aceiros pelo fim da primavera nas estremas dos prédios e também no seu interior. Os aceiros são limpos de vegetação em regra por meios mecânicos com lavoura superficial, porque os terrenos são em geral pouco inclinados e com raros afloramentos rochosos.

Se a economia da produção florestal a norte do Tejo e nas serras algarvia e de Portalegre vier a possibilitar acções de prevenção dos fogos florestais semelhantes organizando-se em áreas de exploração próximas de 100 hectares, também nessas regiões os fogos florestais deixarão de ser o flagelo que são actualmente.

 

  1. As causas dos fogos florestais. Sendo o centro e o norte pluviosos no Inverno e tendo o arvoredo florestal raízes profundas há boas condições para produção de floresta desde que os fogos a não destruam. No verão o clima é quente e seco, correspondendo ao avanço para norte do tempo de deserto do Sahara, no norte de África. Para que no verão não ocorram fogos florestais significativos é necessário criar condições para que não eclodirem facilmente, e, se acontecerem, poderem ser dominados sem queimar grandes áreas e sobretudo sem pôr em risco vidas humanas, casas e outras edificações. Neste ano de 2017 o tempo de verão foi excepcionalmente seco, quente e longo. Como é conhecido os mais credíveis meios científicos têm alertado para o aumento de dióxido de carbono na atmosfera com o consequente efeito de redução da capacidade de irradiação do calor atmosférico para o espaço exterior à Terra. Esse aumento deve-se principalmente à queima de combustíveis fósseis ricos em carbono iniciada e cada vez mais intensificada desde o início da economia industrial no século 18.

Com a subida da temperatura da atmosfera a incidência dos raios solares perpendicularmente na região do globo terrestre entre os trópicos aumenta a evaporação da água que sobe no ar aquecido para a alta atmosfera e aí se condensa, caindo sob forma de chuva. Depois de perder humidade o ar seco cai sobre os trópicos a norte e a sul do e a sul do equador, onde origina as correspondentes faixas desérticas. Em Portugal, que está mais a norte do Equador do que a faixa do deserto do Sahara, no verão o ar quente e seco desce sobre o nosso território, dando origem a tempo quente sem chuva. Dos fins de Setembro aos fins de Março o clima mais pluvioso e fresco da Europa acima dos 47 graus de latitude norte desce sobre Portugal e as outras regiões de clima mediterrânico em consequência da inclinação do eixo da Terra e da sua translação à volta do Sol, deslocando incidência a 90 graus sobre ela dos raios solares para sul do Equador, assim trazendo às regiões de clima mediterrânico o frio e a chuva do inverno.

Isto deu origem às condições climáticas extremas que originaram dez grandes tempestades tropicais entre o equador e o trópico de Câncer com ventos que chegaram a 500 kilómetros por hora com muito grandes prejuízos em construções e em vidas humanas e potenciaram anormalmente a gravidade dos fogos em Portugal e nos outros países europeus mediterrânicos e na Califórnia do Norte e seca severa nessas regiões e no Médio Oriente, sobretudo na Jordânia.

Estas anomalias climáticas parece serem devidas ao maior aquecimento da atmosfera e a consequente aumento da temperatura da água do mar decorrentes crescente libertação de dióxido de carbono para a atmosfera resultante da queima de combustíveis fósseis em quantidades sempre crescentes desde o início da economia industrial. O dióxido de carbono dificulta a perda para o espaço exterior à Terra do calor que constantemente recebe do Sol por ser menos transparente aos raios infravermelhos.

O anormal pico climático deste verão nas regiões mediterrânicas do norte é indiciador de que podemos vir a sofrer em anos próximos novos picos e possivelmente em prazos de tempo cada vez mais curtos. Os poderes políticos não podem deixar de estar atentos a esse risco, tomando as medidas que acima se defendem a executar progressivamente a longo prazo, mas a iniciar sem demora, e, além disso, outras, nomeadamente iniciando estudos para conduzir para a Barragem do Alqueva a água dos rios Tejo e dos restantes a norte dele que em cada um correr para o mar abaixo da última utilização para se garantir haver água suficiente para o consumo dos aglomerados urbanos, o uso das indústrias, as culturas de regadio e a pecuária.

Essas medidas não podem ser adiadas, porque o aquecimento da atmosfera da Terra e da água dos oceanos não podem ser reduzidas senão a longo prazo e se os grandes países do mundo começarem a tomar as medidas necessárias para isso. O anúncio da decisão do presidente Trump de os EUA se retirarem do Acordo de Paris sobre o clima é sinal de que poderemos vir a sofrer em anos próximos iguais ou mais graves anomalias climáticas.

 

  1. As causas directas dos fogos. As causas dos fogos florestais são o desleixo nas queimadas, cigarros lançados sem ser apagados, o ateamento para renovar pastos pelos poucos pastores das áreas de serra do interior norte e centro em terrenos não usados pelos seus donos e nos baldios, por negociantes de madeiras que procuram lucrar na compra de árvores queimadas, e outros criminosos por outras razões múltiplas, tendo as mais frequentes origem em desequilíbrios psicológicos potenciados por abuso de álcool e drogas, sendo de admitir que motivações emocionais relacionadas com forte adesão a ideias políticas associadas a desequilíbrios mentais tenham contribuído significativamente para os grandes fogos florestais no verão de 1975 (no chamado verão quente), quando as paixões políticas foram activamente inflamadas, e neste verão de 2017 na sequência da forte dramatização durante todo o verão pelos partidos de oposição ao governo dos fogos de 17 de Junho de 2017 com início no Pedrógão Grande, em que morreram 64 pessoas.

O desenvolvimento da floresta no norte e centro do país é difícil se se continuar a queimar anualmente centenas de milhares de hectares de arvoredo florestal e de mato arborizável, como quase todos os anos tem acontecido, frequentemente com perda de vidas humanas. É necessário tomar medidas preventivas eficazes que dificultem a progressão dos fogos e facilitem a sua eficaz e pronta extinção se se quiser ter floresta em Portugal.

 

  1. O desenvolvimento dos matos tem que ser controlado para que os fogos florestais, se ocorrerem, não cheguem a grandes dimensão. Porque as condições favoráveis aos fogos florestais resultam principalmente do desenvolvimento dos matos, haverá que agir de modo a evitá-lo. Mas os donos dos terrenos florestais e a mato, que são em regra de área muito pequena a norte do Tejo, não têm condições económicas para manter os matos roçados, ou por outros meios o seu crescimento controlado, dado que muito pouco resta da pequena agricultura de subsistência que mantinha a altura dos matos controlada por pastoreio dos muitos rebanhos familiares, por roça do mato para a cama dos gados e a fertilização das terras de lavoura, por apanha de lenhas para os fornos de pão e as lareiras familiares, com a extracção das torgas das urzes arbustivas para se fazer carvão para as forjas dos ferreiros das aldeias e queimar nos fogões das vilas e das cidades e a apanha de carqueja para se vender em pequenos molhos para acender esses fogões.

Para que não se desenvolvam os fogos florestais no centro e norte do país é preciso que os matos sejam mantidos com desenvolvimento reduzido, o que, na falta de gado que os paste, tem que ser feito por roça periódica. Mas o corte do mato a norte do Tejo é em regra dispendioso, porque na maior parte das áreas onde cresce não é possível o uso de meios mecânicos de bom rendimento em consequência do forte declive dos terrenos e dos frequentes afloramentos rochosos. O corte manual, mesmo por pequenas roçadoiras de dorso a motor, é muito oneroso. O modo mais económico de o fazer é por suficiente adensamento do arvoredo florestal de modo que a sombra impeça o mato de se desenvolver (fazendo-se o corte do mato até isso acontecer), ou por conjugação da floresta com pastoreio, sendo o gado acompanhado por cães pastores com ocasional vigilância humana em cooperação (sistema de vezeira, ou adua), sendo os animais confinados em cercas de área adequada e com abeberamento nas aldeias onde ainda haja gado miúdo ou a população quiser reiniciar essa actividade, o que pode não ser fácil, que dificilmente se contratam trabalhadores para seguir os rebanhos em horário completo por salários compatíveis com a economia da exploração pecuária. Quer no caso de se adensar o arvoredo florestal, para que a sua sombra não deixe desenvolver no subcoberto florestal a vegetação arbustiva, quer no da silvopastorícia até as árvores fugirem ao dente do gado, também é necessário eliminar o mato por meios mecânicos, o que tem que ser feito durante 20 a 25 anos.

 

  1. A necessidade de medidas complementares preventivas da progressão dos fogos florestais ateados. Para que os fogos florestais possam ser contidos e melhor combatidos a norte do Tejo e nas serras de Portalegre e do Algarve, é preciso complementar as medidas estruturais com criação de gado em pastoreio extensivo no sobcoberto do arvoredo florestal de espécies folhosas e de reservar cerca de 10% da área de cada exploração florestal para corredores ecológicos com outras medidas a tomar pela administração pública local mediante investimento em faixas cortafogos a criar por constituição de servidões administrativas sobretudo nas cumeadas e à volta dos núcleos populacionais por eliminação ou corte raso da vegetação rasteira em faixa suficientemente larga, entre 50 m e 100 m de largura, de acordo com as características do terreno e desenhadas de modo a poderem ser mantidas limpas de preferência por meios mecânicos com roça, fazendo a limpeza do terreno pelo fim da primavera, mas excluindo o chamado fogo controlado por ser biocida eliminando todas as formas de vida por onde passa. As faixas cortafogos e os pontos de água deverão ter como fim facilitar o combate aos fogos em floresta e em mato de modo a reduzir a área ardida se o fogo eclodir em circunstâncias favoráveis a devastar grandes áreas, que são as de tempo com temperaturas acima dos 30 graus, humidade baixa e vento forte.

Haverá que evitar, no controlo do desenvolvimento dos matos e da vegetação, o recurso à mobilização do solo, onde o declive for maior, por contribuir para a sua erosão, e a fogo controlado pela mesma razão e por destruir a flora e a fauna das áreas em que é usado, afectando o desenvolvimento das espécies arbóreas.

As faixas cortafogos poderão ser criadas e mantidas por cada município na sua área territorial em articulação com cada uma das freguesias em cujo território se situarem e em diálogo com os donos dos terrenos que onerarem de modo a melhor harmonizar os interesses, constituindo servidões administrativas para protecção ambiental. Para harmonizar os interesses pode admitir-se a existência, na faixa cortafogo, de árvores que não facilitem a progressão dos fogos, como as árvores endógenas de cada região do género quercus, ou castanheiros, freixos, tílias, ulmeiros, vidoeiros, faias e outras com semelhantes características, desde que distem cerca de 10 m entre elas, fazendo o município ou a freguesia a limpeza anual do terreno da servidão por lavoura ou corte rente ao solo da vegetação arbustiva e herbácea que se desenvolver no sobcoberto das árvores e o corte dos seus ramos até cerca de ½ da altura. Essas árvores deverão poder pertencer aos donos dos correspondentes terrenos para melhor harmonização dos interesses.

Os reservatórios de água (pontos de água) a criar para facilitar o combate aos fogos deverão distar uns dos outros distância não excessiva e ser construídos e mantidos pelos municípios em articulação com as freguesias e em diálogo com os donos dos prédios onde a água existir ou for explorada e do terreno onde for construído o seu reservatório de modo a harmonizar os interesses.

Os depósitos terão que poder armazenar cerca de 100 m3 de água, ser cobertos para a água não criar vegetação aquática que dificulte o seu uso, estar permanentemente cheios e ser equipados junto ao fundo com dispositivos adequados para fácil abastecimento dos meios móveis de combate aos fogos e, onde o declive do terreno o permitir, se poder ligar mangueiras para combate directo ao fogo nos terrenos próximos.

Para melhor harmonizar o interesse público com os dos particulares deverá, nos terrenos em que a água para abastecer cada depósito for explorada a nível superior, o caudal poder encher o depósito mediante dispositivo que, sem prejuízo de dever estar permanentemente cheio, permita que o dono da água que a tiver cedido gratuitamente, ou tenha permitido a sua exploração em terreno seu, utilize livremente a que exceder. Se o terreno em que o depósito for instalado estiver ao mesmo nível ou a nível superior ao da água existente ou a explorar, também o dono do terreno em que for explorada deverá poder usar a excedente, desde que suporte proporcionalmente os encargos de elevação, podendo usar-se para isso instalações de produção de energia eléctrica de fontes renováveis actualmente disponíveis no mercado a preços não excessivos. A construção de depósitos de água, o uso da já explorada e a exploração de água para os abastecer podem ser feitos pelos municípios e mantidos sob forma de servidão administrativa para protecção ambiental.

Além destas medidas para dificultar a progressão dos fogos e facilitar o seu combate é necessário que entre as vias públicas e os terrenos a floresta ou a mato confinantes haja faixa de terreno suficientemente larga (entre 10 e 20 m) sem vegetação arbustiva ou herbácea desenvolvida para haver forte impedimento à progressão do fogo a partir delas. Também nesses terrenos, que devem ser sujeitos a servidão administrativa para protecção ambiental, se forem particulares, deverão poder ser mantidas pelos donos do terreno correspondentes árvores separadas umas das outras e das dos terrenos confinantes cerca de 10 m.

É preciso também adensar a rede de estradões florestais de modo a permitir bom acesso a meios motorizados para combate aos fogos, procurando-se que formem rede de malha com cerca de 300 hectares.

Além destas medidas é indispensável que as entidades administradoras de vias públicas (estradas, auto-estradas, vias férreas, caminhos, estradões e outras) cortem anualmente rente ao solo pelo fim da primavera a vegetação arbustiva e a herbácea das bermas e do restante terreno público lateral às vias até aos prédios confinantes.

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