António Bica

A perda de população no interior norte e centro do país e os consequentes fogos (parte 3)

Este texto, “Algumas questões da agricultura portuguesa. A progressiva desertificação humana nas áreas de economia agrícola dominante do norte e centro do país”, está subdividido em 17 pontos, pelo autor, António Bica.

Na sequencia da publicação da 1ª parte deste artigo, na Gazeta da Beira nº696 de 12/05/2016, continuamos, para facilitar a leitura do texto, e uma vez que se trata de um artigo extenso, por mais 14 partes

 

“Algumas questões da agricultura portuguesa. A progressiva desertificação humana nas áreas de economia agrícola dominante do norte e centro do país” (parte 3)

A perda de população no interior norte e centro do país e os consequentes fogos

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Como se sabe interior norte e centro de Portugal é a parte do país que desde o início da década de 1960 perde população mais rapidamente. Os concelhos rurais do interior norte e centro, que são quase todos, perderam desde o início da década de 1960 cerca de metade da população. E as freguesias rurais cerca de dois terços. Número significativo de aldeias perderam toda a população e muitas estão a caminho disso. A razão está, em relação ao litoral norte e centro, na natureza montanhosa dos solos, na maior amplitude térmica e em não haver aí desenvolvimento industrial e de prestação de serviços, tendo a generalidade da população sempre vivido predominantemente da actividade agrícola de subsistência. A pluviosidade média, embora menor do que no litoral, é, em regra, boa, acima de mil milímetros por ano. As condições de relevo nunca foram favoráveis à existência de explorações agrícolas de boa dimensão por exigirem pesado investimento em trabalho no arroteamento da terra e na sua armação em socalcos. Por outro lado, dada a boa pluviosidade média, não era necessária grande área de terra cultivada para, regando-a, uma família agrícola retirar dela a subsistência. Nessas condições, na Idade Média, os senhores feudais no interior norte e centro optaram por entregar para cultura pequeno lote de terra a cada família camponesa, onde havia possibilidade de a regar, para a arrotear em regra em terraços, que possibilitassem a rega a pé, embora pagando pesados encargos.

Assim foi humanizado o norte e centro do país e a população crescendo. Quando se multiplicava acima da capacidade de subsistência, a emigração, sobretudo para o Brasil, mais tarde para outros países da Europa e para as colónias de África, foi amortecedor de tensões sociais.

A desertificação humana iniciou-se no princípio da década de 1960, as aldeias desertificaram-se de homens em idade activa, seguidos depois pelas mulheres. Ficaram os avós e as crianças. As aldeias foram sendo abandonadas, tendo algumas perdido toda a população

A desertificação humana iniciou-se no princípio da década de 1960, quando começou a grande emigração para a França, a Alemanha e outros países europeus, as aldeias desertificaram-se de homens em idade activa, seguidos depois pelas mulheres. Ficaram os avós e as crianças. As aldeias foram sendo abandonadas, tendo algumas perdido toda a população. Os que haviam emigrado saíram, em regra, em idade adulta, portanto com os seus quadros culturais estruturados. Por isso regressavam anualmente às suas terras no Verão (nas quadras de «vacanças», termo que os emigrantes em França adoptaram para uma realidade sócio-económica que até então desconheciam – as férias pagas). Vinham para ver os avós e os filhos, mostrar o automóvel e depois começar casa nova a substituir o pardieiro em que haviam sido criados. Onde as aldeias não perderam toda a população, embora as terras agricultadas tivessem ficado em grande parte sem cultura e os rebanhos de gado miúdo desaparecido, no que ajudou a política salazarista de ocupação dos baldios pelos Serviços Florestais, o preço das terras, que pela racionalidade económica deveria ter sofrido forte redução, subiu significativamente, sobretudo das terras mais próximas da aldeia, onde era possível erguer as novas casas que quiseram construir.

As crianças que não acompanharam os pais na emigração, foram sendo postas a estudar acima dos primeiros quatro anos de escolaridade obrigatória. O dinheiro enviado pelos pais emigrantes foi-lhes possibilitando estudar. Com o 25 de Abril e a criação de estabelecimentos de ensino público todas as crianças passaram a poder estudar até ao fim do ensino secundário e depois muitas seguir o ensino médio e o superior.

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