António Bica

A UCRÂNIA É ÁREA DE TENSÃO POLÍTICA ENTRE OS EUA E A RÚSSIA (2)

ed664_UcraniaOs EUA, depois do desmantelamento da União Soviética, passaram a divisão da Federação Russa em várias repúblicas. Depois do colapso da URSS em 1991 por acção fundamentalmente de Ieltsin, com divisão dela em múltiplas repúblicas, os EUA passaram a querer dividir a Federação Russa, que tem 145,5 milhões de habitantes, menos de metade da dos EUA (316 milhões) e 17 milhões de km2, sendo o maior país do mundo em área, mas apenas médio em população. Os EUA têm 9,5 milhões de km2, pouco mais de metade da Rússia.

Os recursos naturais de um Estado [capacidade de produção agrícola (bens alimentares e madeiras), reservas de minerais, de combustíveis fósseis, de água doce e outros] é aproximadamente proporcional à sua área. Tendo a Rússia fraca densidade populacional, 8,5 habitantes por km2 (Portugal tem cerca de 110 habitantes por km2), consequentemente pequeno número de habitantes, não pode competir com as maiores economias mundiais, como os EUA (com mais do dobro da população da Rússia), a União Europeia, que tem 500 milhões de habitantes (3,3 vezes mais habitantes do que a Rússia), e a China (com 1.350 milhões, 8 vezes mais do que a Rússia).

Como se referiu, os EUA, depois do fraccionamento da URSS em múltiplas repúblicas, o que ocorreu em 1991, procuraram iniciar processo de divisão da Rússia em várias repúblicas. Para isso, tal como estavam a fazer na Bósnia e no Kosovo, estimularam, através da CIA, o envio de jovens combatentes islâmicos sunitas fundamentalistas (jihadistas) para as repúblicas russas do norte das montanhas do Cáucaso (situadas entre o mar Negro e o mar Cáspio, cuja população é maioritariamente islâmica) para combater a Rússia. Simultaneamente organizaram na imprensa, na televisão e nas rádios internacionais insistente campanha contra o governo da Rússia, que combatia essas acções militares contra a Rússia, com fundamento em alegado desrespeito dos direitos humanos.

No fim de 2001, com a destruição das chamadas Torres Gémeas em Nova Iorque por acção de combatentes islâmicos fundamentalistas (jihadistas), cessou o apoio dos EUA aos que combatiam nas repúblicas russas do norte do Cáucaso. Mas os EUA não abandonaram o projecto de ataque político à Rússia, o que foi sendo feito através do apoio à integração na União Europeia dos Estados que haviam pertencido ao Pacto de Varsóvia, e à inclusão deles na NATO (organização militar dominada pelos EUA equivalente ao Pacto de Varsóvia).

A Ucrânia é país médio, com 600 mil km2 e cerca de 46 milhões de habitantes (77 mil habitantes por km2). O solo é composto principalmente por barros férteis para produção de trigo, em grande parte exportado. A indústria tem peso significativo na economia, incluindo a produção aeronáutica (aviões Antonov).

Os ucranianos, embora quase todos cristãos, seguem organizações religiosas distintas. Na maioria (54%) são ortodoxos divididos em 3 igrejas (a ligada ao Patriarcado de Moscovo, a do Patriarcado de Kiev e a chamada Autocéfala Ucraniana). A Igreja católica ucraniana (11%) é ligada a Roma e subordinada ao papa. Além destas organizações religiosas há minorias protestantes, muçulmanas e judaicas.

Etnicamente as províncias orientais e a república da Crimeia são maioritariamente russófonas. Os ucranianos falantes de russo correspondem a 29% da população do país.

A Ucrânia é fortemente dependente em energia da Rússia, que é grande compradora de produções agrícolas ucranianas, sobretudo trigo. Por outro lado a Rússia tem na península da Crimeia grande base militar marítima nos termos de acordo de longo prazo com a Ucrânia.

Em consequência destas relações económicas e militares, a Rússia, depois da separação das repúblicas soviéticas, entendeu que a influência económica e militar dos EUA directa e indirecta através da União Europeia não devia estender-se à Ucrânia.

Apesar disso, os EUA procuraram estimular a chegada ao poder na Ucrânia de governos favoráveis à aproximação política aos EUA (directamente e através da União Europeia), o que foi feito em 2004 e 2005, tendo levado à chamada Revolução Laranja com chegada ao poder dos líderes dela.

A instabilização política da Ucrânia pelos EUA foi facilitada pelo agravamento nesse país  (e nos demais que haviam integrado o Pacto de Varsóvia) em consequência da adopção por ele de organização económica liberal (de cujo sistema a corrupção sempre faz parte) e de práticas de acumulação primitiva dos detentores do poder aos diversos níveis para constituírem por acumulação primitiva a burguesia nacional controladora das empresas do país (que o anterior sistema económico não permitia).

As descaradas práticas de acumulação primitiva dos dirigentes políticos da Revolução Laranja na Ucrânia levaram o povo a afastá-los do poder e a eleger Ianukovitch e os demais políticos que o apoiavam. Apesar do exemplo do que se havia passado com os políticos da Revolução Laranja, Ianukovitch e os que o apoiavam não se afastaram das mesmas práticas de enriquecimento ilícito.

Talvez com o objectivo de evitar nova Revolução Laranja, a presidência de Ianukovitch negociou com a União Europeia acordos de integração económica da Ucrânia nela. Os acordos negociados incluíam fortes restrições orçamentais e eliminação ou significativa redução da subsidiação de bens de consumo. A previsível impopularidade dessas medidas de política económica iriam fazer perder o poder a Ianukovitch e aos políticos que o apoiavam. Para o evitar foi pedido à União Europeia financiamento a prazo largo de dezenas de milhares de milhões de euros, que foi negado.

Voltou-se então para a Rússia que aceitou fazer o financiamento na condição de os acordos económicos da Ucrânia negociados com a União Europeia não serem assinados.

Como é conhecido, uma parte da população ucraniana, embora reduzida, colaborou com os invasores alemães da URSS dirigidos então por Hitler. Desde então mantiveram-se no país tendências fascistas. Há indícios de que os EUA aglutinaram esses grupos para organizar o descontentamento de grande parte da população ucraniana contra a recusa de Ianukovitch em assinar os acordos de associação económica com a União Europeia.

Isso levou, pelo fim de 20º13 e início de 2014,a manifestação radical permanente na praça central de Kiev contestando a decisão de Ianukovitch. Essa acção política foi organizada com transporte regular dos manifestantes de todo o país para Kiev, em grande parte fascistas, para manterem activa a manifestação com revezamento organizado dos manifestantes, alimentação e municiamento, o que exigia organização complexa e dispendiosa.

Ianukovitch, que era visivelmente frouxo, não foi capaz de dominar a crise. Abandonou o poder, que foi tomado pelos líderes dos manifestantes, com forte participação dos dirigentes fascistas.

Em consequência, a população e os dirigentes políticos da república da Crimeia (que estava associada à Ucrânia, sendo a sua população quase toda russófona) declararam-na independente e integraram-na na Rússia. Também as regiões de forte maioria russa do leste da Ucrânia iniciaram acções para a separação política da Ucrânia com integração na Rússia.

A União Europeia, por pressão dos EUA, iniciou acções de penalização da economia russa com o fim de forçar a Rússia a contrariar o separatismo das populações russas da Ucrânia.

Talvez os dirigentes da União Europeia tivessem admitido que para a Rússia era essencial manter as relações comerciais com ela. De facto a Rússia, na actual fase da sua economia, precisa de vender gás, petróleo e outras matérias-primas existentes em grande quantidade no seu vasto território, mas não está completamente dependente desse comércio, que, por outro lado, estava a ser tão vantajoso para uma parte como para a outra. Optou por isso por se voltar para a China, que, tendo 1.350 milhões de habitantes e indústria desenvolvida, precisa de adquirir no exterior grande parte das matérias-primas que utiliza, dado que a sua superfície é de 9,6 milhões de km2, pouco mais de metade da da Rússia.

A aproximação da Rússia à China pode ser duradoura, podendo ambos os países evoluir para associação económica, tecnológica e política com população próxima de 1.500 milhões de habitantes e cerca de 28 milhões de km2 de superfície. Se isso vier a acontecer, isto é se associação política e económica da Rússia à China for irreversível, a relevância política da União Europeia, mesmo que venha a integrar a sua economia na dos EUA pelo anunciado acordo de eliminação de fronteiras comerciais, enfraquecerá significativamente.

Na hipótese de a União Europeia se integrar no mercado americano, a superfície total dessa união será de cerca de 14 milhões de km2 (9,3 milhões dos EUA mais 4,6 milhões da União Europeia), pouco mais de metade da soma da superfície da Rússia com a da China (cerca de 27 milhões de km2, e a população de cerca de 800 milhões de pessoas, também pouco mais de metade da da China com a da Rússia, que é de cerca de 1.500 milhões de habitantes.

Embora actualmente o poder económico e militar conjunto dos EUA e da União Europeia seja superior ao da China mais o da Rússia, a prazo não muito longo essa relação inverter-se-á inevitavelmente.

O interesse político e económico da União Europeia seria evoluir para parceria económica com a Rússia. Não o assegurou por subordinação política aos interesses dos EUA e talvez já o não possa assegurar mais.Redação Gazeta da Beira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *