António Bica

A necessidade de alargar ao interior norte e centro do país as medidas de ajuda ao rendimento agrícola pela PAC (Política Agrícola Comum) (1)

A perda de população no interior norte e centro do país e os consequentes fogos

Como se sabe interior norte e centro de Portugal é a parte do país que desde o início da década de 1960 perde população mais rapidamente. A razão está, em relação ao litoral norte e centro, na natureza montanhosa dos solos, na maior amplitude térmica e em não haver aí desenvolvimento industrial e de prestação de serviços, tendo a generalidade da população sempre vivido predominantemente da actividade agrícola de subsistência. A pluviosidade média, embora menor do que no litoral, é, em regra, boa, acima de  mil milímetros por ano. As condições de relevo nunca foram favoráveis à existência de explorações agrícolas de boa dimensão por exigirem pesado investimento em trabalho no arroteamento da terra e na sua armação em socalcos. Por outro lado, dada a boa pluviosidade média, não era necessária grande área de terra cultivada para, regando-a, uma família agrícola retirar dela a subsistência. Nessas condições, na Idade Média, os senhores feudais no interior norte e centro optaram por entregar para cultura pequeno lote de terra a cada família camponesa, onde havia possibilidade de a regar, para a arrotear em regra em terraços, que possibilitassem a rega a pé, embora pagando pesados encargos.

Assim foi humanizado o norte e centro do país e a população crescendo. Quando se multiplicava acima da capacidade de subsistência, a emigração, sobretudo para o Brasil, mais tarde para outros países da Europa e para as colónias de África, foi amortecedor de tensões sociais.

No início da década de 1960, que foi  começou grande emigração para a França, a Alemanha e outros países europeus. Então as aldeias desertificaram-se de homens em idade activa, seguidos depois pelas mulheres. Ficaram os avós e as crianças. Admitiu-se que a maior parte das aldeias viessem a ser abandonadas, perdendo toda a população. Embora isso tenha acontecido em número significativo de aldeias, não ocorreu generalizadamente. Os que haviam emigrado saíram, em regra, em idade adulta, portanto com os seus quadros culturais estruturados. Esses valores impulsionaram os emigrantes a regressar anualmente às suas terras no Verão (nas quadras de vacanças, termo que os emigrantes em França adoptaram para uma realidade sócio-económica que até então desconheciam – as férias pagas). Vinham para ver os avós e os filhos, mostrar o automóvel e depois começar casa nova a substituir o pardieiro em que haviam sido criados. Onde as aldeias não perderam toda a população, embora as terras agricultadas tivessem ficado em grande parte sem cultura e os rebanhos de gado miúdo desaparecido, no que ajudou a política salazarista de ocupação dos baldios pelos Serviços Florestais, o preço das terras, que pela racionalidade económica deveria ter sofrido forte redução, subiu significativamente, sobretudo das terras mais próximas da aldeia, onde era possível erguer as novas casas.

As crianças que não acompanharam os pais na emigração, foram sendo postas a estudar acima dos primeiros quatro anos de escolaridade obrigatória. O dinheiro enviado pelos pais emigrantes foi possibilitando o estudo. Com o 25 de Abril e a criação de estabelecimentos de ensino público todas as crianças passaram a poder estudar até ao fim do ensino secundário e depois seguir o ensino médio e o superior.

As razões por que o mato se passou a desenvolver nas áreas de floresta e a mato

Os jovens não queriam mais ficar a viver da exploração da pequena área de terra herdada dos pais, que, em regra, não passava de um a três hectares; era vida de trabalho muito duro e baixo rendimento. Aspiravam a progredir nos estudos e emigrar internamente (para as cidades e vilas), ou, fazendo como os pais, emigrar para a Europa. Com esta evolução social e demográfica os terrenos não arroteados de montanha e planalto do norte e centro, a larguíssima maioria, onde os agricultores anteriormente pastoreavam o seu gado (ovelhas, cabras e vacas), a alimentar-se da vegetação arbustiva, deixaram de ser percorridos pelos rebanhos entretanto vendidos; a fertilização das terras deixou de ser feita pelo mato roçado para ser curtido nos currais do gado, quer porque muitas terras haviam deixado de ser cultivadas, quer porque as que as ainda cultivadas passaram a ser fertilizadas com adubos químicos; a lenha para aquecer o forno onde semanalmente se cozia o pão e pôr a ferver as panelas de ferro e três pés da cozinha deixou de ser apanhada nos incultos das serras, substituída pelo gás de botija.

Assim nos largos terrenos de montanha e planalto não agricultados o mato passou a poder crescer denso, sem controlo, até altura de 2 a 3 metros. Sendo no norte e centro do país os verões secos e as temperaturas altas, criaram-se as condições para todos os verões os fogos percorrerem largas áreas de mato e de mato com arvoredo, tudo destruindo, o que passou a acontecer entre os fins da década de 1960 e princípios da de 1970. Os terrenos a mato e com floresta passaram a ser repetidamente queimados por incêndios de Verão em períodos entre 5 e 10 anos. Inicialmente as sementes das resinosas adultas queimadas caíam, possibilitando a regeneração natural da floresta. Mas com a sucessão dos fogos em ciclos de tempo curtos que não possibilitavam que as árvores jovens nascidas depois de incêndio anterior produzissem sementes, deixou de haver regeneração natural em grandes áreas. A gravidade do flagelo dos fogos florestais resulta evidente os números que se seguem.

De 1999 a 2008, os números médios dos incêndios florestais e em matos em Portugal foram: Junho – 2.700, Julho – 5.000, Agosto – 6.500, Setembro – 4.200.

De 1999 a 2009 o número médio anual de incêndios foi de 24.937, a área anual média queimada foi de 148.452 ha.

Entre 1990 e 2004 os incêndios florestais e em matos ocorreram anualmente em muito maior número no interior norte e centro do país e também no Alto Minho, na serra ocidental algarvia e na área de serra do distrito de Portalegre (estes números podem ser consultados pela internet na Autoridade Nacional de Protecção Civil), onde a desertificação humana foi maior.

Continua em próxima edição da Gazeta

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