Agostinho da Silva

A DÉCIMA: - LEI “INÓCUA”? OU “DURA LEX SED LEX”?

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Através de breve pesquisa sabe-se que o imposto da décima teria sido decretado após a Restauração da Independência pelas Cortes de 1641, visando a manutenção de um exército permanente para a defesa do País. Em 1762 é o mesmo imposto relançado por D. José I. A décima incidia sobre os prédios rústicos e urbanos, sendo estes escriturados por freguesias com o nome dos proprietários rua e número de polícia, quando existia, pois ao tempo no nosso concelho poucas ou nenhumas freguesias teriam uma descrição toponímia.

Ao que se entende a Lei da Décima teria, como é o óbvio de qualquer imposto arrecadar receitas para fazer face às despesas do País! Mas se hoje os Serviços Cobradores dos Impostos nos notificam de um novo imposto e/ou do aumento do que vínhamos a pagar, dando mesmo um  prazo para nova avaliação/reclamação, em tempos recuados, o pagamento da Décima ,hoje traduzida no IMI,  seria uma lei  que se crê ”inócua” e os cobradores dos impostos diriam apenas “que a Lei poderia ser dura mas era a Lei” e assim  havia que pagar, embora esta fosse elaborada sem equidade e justiça. E neste conceito, e porque a décima era geralmente paga nos meses de NOV e DEZ, por ser entendido que os “pagantes”, – mais nas áreas rústicas -, haviam retirado das colheitas com o seu muito esforço e trabalho algo suficiente para o pagamento do dito imposto. Num esclarecimento que enferma de verdade, parece-nos com dever trazer à luz das páginas deste nosso jornal, que muita gente das nossas freguesias de parcos recursos, sofria quantas vezes dia e de noite ao serão para satisfazer o pagamento da décima no século passado.

E retratando o que agora dissemos, bem conhecemos e lidamos com um Homem, nascido em 1895 e que aos catorze anos ficou sem uma perna em acidente com carro de vacas. De carater forte e determinado, simples, sem qualquer lustre académico mas de grande exemplo e apego ao trabalho, o nosso homem casou e teve do seu matrimónio um ranchito de 10 filhos, em tempos bem avessos e de muita miséria! Não havia abonos de família nem subsídios de qualquer espécie, mas o apego ao trabalho do nosso veterano para vencer as grandes agruras e vicissitudes do dia a dia era determinante quer no amanho da terra, na arte de barbeiro, tamanqueiro e até no artesanato da feitura de cortiças e cortiços para abrigar as abelhas, vendidos pela Senhora da Nazaré, fazendo assim com o seu labor a casita para abrigar o seus filhos com uns bocados de terra em redor. Mas chegado NOV desdobrava-se nas suas atividades laborais até altas horas da noite a pregar os tamancos aos fregueses, à luz do candeeiro de petróleo para arranjar até ao final da data limite fixada nos Editais e até anunciada nas missas para que não esquecessem o pagamento e viesse a cair em relaxe, do qual não havia perdão e lá ia a casita à praça se não pagasse os trinta e tantos escudos que havia de levar a S. Pedro. Quando já tinha apurado tal importância guardava-a religiosamente, orientando o dia para ir “aos de S. Pedro” pagar. O vocábulo “os de S. Pedro” parecia configurar todos os habitantes da Vila, mas não, apenas se destinava aos funcionários da “ casa da cobrança dos impostos – as finanças. Respeitava aí todos os funcionários ou pelo menos o funcionário – tesoureiro – que lhe receberia os trinta e tal escudos, indo até com a melhor indumentária que tinha e a sua Maria sempre lhe passava a camisa de popelina branca com a gravata preta, mas no fundo, porque para si configuravam gente que lhe “retirava” os escudos que tanto lhe tinham custado a ganhar e eram devidos à alimentação e agasalhos dos filhos e sempre que vinha a esta ação enfurecia-se tremendamente! Não sabemos se com alguma ligação, teria ouvido ao seu tio Padre, a passagem do Evangelho sobre o Cobrador de Impostos, Zaqueu, que no encontro com Jesus Cristo, se teria mostrado arrependido de má cobrança dos impostos e que devolveria tudo aos pobres! Mas o certo é que ao voltar a casa, fazendo o trajeto o mais das vezes, numa só perna e muleta e percorrendo ida e volta os 8kms que distam da Vila (agora cidade), praguejando no árduo caminho contra” os de S. Pedro”, e as mães destes se ouvissem o nosso Homem que tinha acabado de pagar a décima, não ficariam de bom grado com os atributos que lhes eram feitos. O nosso Contribuinte embora não tivesse capacidade para desmistificar a entrega do seu do seu dinheirito, mas sempre atinava que os seus pagamentos se deveriam fundamentar em critérios de Justiça. Não conhecendo o primado da lei geral e abstrata que lhe pudesse assegurar uma livre expressão ao seu pensamento, aceitou o pronúncio “Dura Lex sed Lex” e mesmo alquebrado e a coxear continuou, pelos anos que lhe restavam, vindo agora montado na sua “burreca” “Carriça”, a fazer a entrega da sua décima “aos de S. Pedro”.

Um dia o sino tocou por si e não pode ver e sentir que os seus trinta e tantos escudos, talvez magros para o Fisco, mas para si grada importância, e que no seu pensar bem seria se fosse empregue num melhor bem estar e qualidade de vida do povo, coisa que ele pouco ou nada teria tido. Talvez ao partir pensasse que no futuro não vingariam mais leis inócuas e injustas! Mas, provavelmente, seria apenas o último  sonho!

Em 14NOV2016

Agostinho da Silva

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