Adriana Gomes*

A pandemia e o mundo das Mulheres Rurais

Fotografia de Carlos Augusto Mendes

*Técnica do Projeto Giesta (Associação Fragas Aveloso)

A covid19, desde o seu início, tem privado todos/as de prosseguir a vida dentro da sua normalidade, desaconselhando o contacto (toque e estar junto) com amigos, colegas, familiares, marcação de viagens e eventos, etc.. Qualquer pessoa, neste momento, pode afirmar que a situação em que vivemos tornou a vida mais monótona, menos diversificada, menos motivadora a ir, a estar e a fazer o que quer que seja.

Nesta conjetura, outras questões que, também, se acentuaram foram as desigualdades… As assimetrias entre as cidades e os meios rurais, até diríamos mesmo, entre os pequenos centros urbanos e as aldeias.

No Projeto Giesta temos estado a desenvolver as atividades às quais se propôs, dentro das possibilidades e dos limites que estão impostos, porém, na esperança de que toda a situação melhore, rapidamente.

Neste sentido, através das visitas que têm sido realizadas às aldeias foi possível perceber o nível do isolamento – a solidão – em que se encontram inúmeras mulheres, idosas, agricultoras e outras. Se, anteriormente, o padeiro passava de manhã, agora o saco do pão fica pendurado à espera que este chegue de madrugada para minimizar o contacto com e entre as pessoas. Já não se semeia o linho, em comunidade, como era tradição, em Rompecilha. Este ano, cada mulher semeou uma porção e guardou-a para si, pois não surgem pedidos de demonstrações do ciclo. Infelizmente, também, não se realizaram os bailes de verão que tanta vida dão às aldeias e enchem de folego o peito para sobreviver a mais um ano!

Nas nossas visitas vemos mulheres depressivas e outras já com depressões que agora se agravaram. Vemos mulheres com receio da presença de pessoas que vivem em outras terras, ainda que se use máscara e se mantenha a distância de segurança. A desconfiança e a insegurança geraram o medo e agora as mulheres fecham a porta e olham pela janela e se, por acaso, encontram alguém exterior à aldeia cobrem a cara com a roupa, como se lhes valesse a mesma proteção de uma máscara.

Nesta altura, tem sido possível percecionar a agravada decadência das aldeias e das vidas que por lá subsistem. Falamos de zonas que vivem de uma agricultura de subsistência que tem visto os dias contados. Mulheres que cuidam de um rebanho de meia dúzia de cabras ou menos, outras que são responsáveis pelo cuidado de três, quatro ou cinco vacas e em certos casos, até mais e que vêm os apoios à agricultura a sofrerem cortes constantes e consideráveis.

Para além disto, constatámos que as plantações agrícolas sofrem ataques frequentes de animais selvagens, entre eles o javali, que destroem o alimento de animais e pessoas, anulando o tempo que se empregou no trabalho físico e braçal.

Claramente, compreendemos que a intervenção do ser humano na Natureza tem como consequência, precisamente, a proximidade da vida selvagem aos povoados… Naturalmente vêm à procura de alimentos que, provavelmente, já não encontram ou encontram com menor intensidade nos seus habitats. Esta é uma perspetiva que, em resposta à realidade, tentamos implementar, numa perspetiva de criar consciência entre as pessoas, porque o problema existe, contudo, também, é necessário entendê-lo para fomentar soluções que beneficiem ambas as partes e não, apenas, beneficiem o ser humano em detrimento da fauna. A desconstrução desta visão (de que os animais invasores são o problema, ignorando a origem real do problema) é, certamente, algo que virá a ser alcançado pela intervenção das mulheres e estas, por sua vez, irão disseminar esta perceção.

Depois, as dificuldades na venda do gado: ouvimos relatos de quem tem animais, nomeadamente, vitelos, para vender, todavia, os negociantes não aparecem e não atendem os telefones. Este é o efeito bola de neve que, até para uma pequena economia é fatídico… As pessoas não saem de casa, por conseguinte, os restaurantes não registam adesão e os/as fornecedores/as não escoam os seus produtos. Assim, com o atraso na venda do gado, este perde valor e os/as produtores/as têm prejuízo.

A vida para quem vive a vinte ou trinta quilómetros de uma vila (de oportunidades, de serviços, escassos transportes públicos, que ainda assim, são meios de risco acrescido de contágio, em localidades, onde a maioria das pessoas têm, em média, idades compreendidas entre os cinquenta e oitenta anos), pode ser mais dissonante, ainda, do que para quem vive num pequeno centro urbano ou numa cidade, em tempos de pandemia.

Para quem vive numa aldeia, tem menos instrução e, por isso, não usufrua de tecnologias de informação e comunicação (TIC), por falta de conhecimento e/ou pelo seu funcionamento precário, a falta de oportunidades (de apoios e de uma visão que se sustente no desenvolvimento, na dinamização e na permanência de pessoas),  constituem um conjunto de políticas de descaso e de não valorização dos meios rurais. Damos como exemplo a criação de Alojamentos Locais (AL) nas aldeias: A lei atual permite que qualquer pessoa, independentemente, da sua área de residência, implemente um AL, tendo para o efeito de cumprir os requisitos impostos.

No entanto, não verificamos o carácter universal das oportunidades, mediante a adequação às diferentes capacidades de autonomia das pessoas para a aquisição dos estatutos legais… Num gabinete de apoio aos/ás cidadãos/ãs, sob o sistema de marcação prévia, perante uma mulher rural que solicita a requisição de um AL (não dispondo esta de competências de utilização das TIC), o encaminhamento sugerido é que o processo de registo, online, como dever, seja efetuado pela requerente. Ora, para quem sabe como concretizar os processos, detém as ferramentas necessárias e sugere que alguém, sem competências, para o fazer, se desenrasque, esta disposição faz com que entendamos muito sobre o estado a que as nossas aldeias chegaram. Quem não sabe operar com um computador deve ficar excluído de estabelecer um AL, quando existe um gabinete de apoio que pode dar resposta a esta questão?

A criação de Alojamentos Locais nas aldeias é uma possibilidade para as mulheres rurais obterem algum complemento financeiro, pois a elas, geralmente, compete o cuidado das casas e das refeições. Para além disso, as mulheres rurais são ótimas anfitriãs e sábias guias turísticas!

Por vezes, quando passamos por estas terras, temos a sensação de que é pouco relevante a extinção das zonas rurais… Pouco relevante que se percam de vida, de saber, de tradições, de genuinidade. Acreditamos que a manutenção das aldeias tem nas mulheres o garante da sua continuidade. Precisamos que os nossos representantes acreditem que é possível!

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