À procura do tesouro perdido

Mário Daniel

Numa tarde no rio Teixeira…

– A água está óptima, e é tão límpida! O que sabia bem era um mergulho! – sugeriu o Toni.

– Olha, aquela pedra parece boa e aquela zona tem uma profundidade razoável! – respondeu o João.

– O último a lá chegar oferece um gelado ao outro!

O Toni foi o primeiro a chegar e deu um mergulho incrível, um salto mortal à retaguarda com o qual num concurso de mergulho quase de certeza receberia a nota dez.

O seu irmão mais novo, o João, deu um salto mais simples, um mergulho “de cabeça”, como se costuma dizer. Subitamente, debaixo de água, viu algo a brilhar. O que seria?

– Toni! Toniii!

– Diz! Estás bem?

– Estou, diz lá que não foi um bom mergulho. Mas não foi por isso que te chamei, vi uma coisa brilhante debaixo de água. Vem espreitar.

Ambos mergulharam no local indicado.

– Não consigo ver nada…

– À superfície não consegues ver nada, mas se mergulhares…

– Ok, aos três vamos lá baixo e trazemos essa “cena” brilhante para cima. Um, dois, três.

No início não conseguiam ver nada, contudo à medida que desciam começavam a aperceber-se de algo brilhante. Estranho!

Trouxeram o objeto para cima, era pesado! À primeira vista parecia uma simples caixa dourada, mas depois aperceberam-se que continha algo.

Como não a conseguiam abrir, decidiram ir até ao bar da praia pedir uma navalha, dizendo que era para o pai descascar uma maçã. Com a ajuda do instrumento cortante, conseguiram abrir a caixa que continha cera azul, um papel amarelado em branco e uma espécie de punhal com uma lâmina de três faces.

– Para que é que guardaram um papel assim, sem nada escrito … – observou o João.

– Espera lá, eu já vi isto num filme. Se atearmos o lume a esta coisa azul, vai iluminar a folha e vamos conseguir ver o que foi tão engenhosamente escrito neste papel.

– Mas, como é que vamos arranjar lume? – questionou o João.

– Tenho de ser sempre eu a pensar em tudo! Esqueceste que o avô fuma? Só temos de ir à mochila dele e tirar-lhe despercebidamente o isqueiro. Não quero que ninguém saiba da nossa descoberta. Vai buscar a tua mochila para pôr isto lá dentro.

-Então, meninos, demoraram… o que estiveram a fazer? – perguntou a mãe.

– Estivemos a dar mergulhos e mandei um mortal à retaguarda – gabou-se o Toni.

Os dois irmãos foram sentar-se ao lado do avô e o mais novo começou a conversar com ele sobre as suas aventuras de quando era criança, enquanto o outro tirava o isqueiro sorrateiramente.

Quando chegaram a casa correram para o anexo que tinham no fundo do quintal e acenderam a cera azul com o isqueiro do avô. Quando viram o que estava desenhado na folha ficaram de boca aberta… era a Igreja Matriz de Couto de Esteves, a igreja da terra deles dedicada a Santo Estêvão, primeiro mártir do cristianismo. Ao lado da igreja estava desenhado um peixe. Os irmãos sabiam que era um símbolo do cristianismo primitivo.

Apressaram-se logo a agarrar nas bicicletas e a ir para a igreja que ficava a 400 metros da casa deles. Por sorte, estava aberta. Havia algumas pessoas a meditar. Observaram as paredes da igreja por dentro e por fora à procura daquele símbolo, mas não encontraram nada. Quando já estavam fartos de procurar decidiram sentar-se num banco para descansar um pouco. Foi então que o Toni reparou nalgo esculpido na base do altar. Era um peixe. Tinha descoberto. Apresou-se a contar ao irmão o seu plano:

– Quando toda a gente sair vamos investigar o altar.

Logo que a última pessoa saiu, aproximaram-se do altar e procuraram uma pista em algum lado: um objeto, uma data,… mas não encontraram nada. Subitamente, o João exclamou:

– Toni, olha há aqui uma falha no chão, junto ao altar! Acho que temos de empurrar o altar.

– Vamos a isso!

Com muito esforço conseguiram movê-lo. Por baixo do altar havia umas escadas que davam a uma biblioteca enorme, cheia de livros antigos e valiosos pelas suas iluminuras medievais. No centro da biblioteca havia uma mesa com um papel em branco e mais cera azul. Por sorte, eles tinham colocado na mochila o isqueiro. Nesse papel estavam desenhadas três portas: por cima de uma estavam desenhados abutres, por cima de outra, corvos, e por cima da terceira, pombas. Os dois irmãos associaram logo a morte às duas primeiras portas e, à última, a sorte e a vida.

Curiosamente a biblioteca tinha essas três portas e eles optaram pela das pombas. Atrás da porta havia um caminho estreito e longo que acabava numa pequena sala. A sala tinha uma porta de pedra com uma ranhura no meio com três lados, que não conseguiam abrir.

– Como é que abrimos esta porta, é que já tentámos de tudo! Vamos embora! – lamentou-se o João.

– Não podemos desistir agora. Acho que descobri… lembras-te do punhal de três lados que estava na caixa? Acho que deve encaixar naquela ranhura. – observou o Toni.

– Então ainda bem que o trouxe, toma.

– Ah, ah… encaixa na perfeição, acho que tenho de o rodar!

Quando o Toni rodou o punhal, a porta de pedra abriu-se e entraram num corredor escuro e húmido. Com uma lanterna que tinham levado na mochila, iluminaram o caminho e andaram amedrontadamente por um longo túnel cheio de teias de aranha. Depois de percorrer o que lhes pareceu um caminho interminável, encontraram mais uma porta que se abriu com a ajuda do punhal que já tinha sido usado para esse fim. Com a abertura desta última porta que, na verdade, era uma estante, introduziram-se numa sala com uma enorme lareira. Ao espreitarem por uma das janelas, verificaram que estavam na Casa da Fonte, no Couto de Baixo. Repararam, de seguida, que por cima da lareira estava novamente gravado o tal peixe.

Instintivamente, meteram a cabeça dentro da lareira, olharam para cima e observaram que havia de novo uma ranhura de três lados. O João voltou a pôr o punhal na ranhura e rodou-o. Abriu-se, então, um pequeno compartimento onde se escondia um documento muito amarelecido e coberto de pó. Nele podia ler-se:

            Há muitos anos viveu na Casa da Fonte em Couto de Esteves um preto, ele era o empregado mais corajoso destas terras. A única coisa que o assustava era o vento. Quando estava vento, o patrão podia mandá-lo trabalhar que ele não ia. Um certo dia as pessoas da Casa da Fonte foram trabalhar para uns terrenos onde havia um poço. Enquanto trabalhavam caiu uma alavanca ao poço e ninguém a quis ir buscar pois o poço era fundo e tinha má fama. O preto disse que a ia buscar. Prendeu uma corda à cinta e desceu, dizendo aos outros trabalhadores para ficarem a segurar na ponta da corda, e que quando encontrasse a alavanca dava um esticão na corda para eles puxarem. Quando ele deu o esticão as pessoas não estavam prevenidas e deixaram ir a corda ao fundo. Entretanto chegou a noite e, sem luz, os trabalhadores foram para casa e deixaram lá o preto. Com a noite veio o luar, o preto viu a luz da lua reflectida no fundo do poço e conseguiu sair de lá. De manhã, os trabalhadores iam novamente ao poço com o objectivo de verem o preto, mas para grande surpresa, o preto já vinha a chegar à Casa da Fonte com uma grade de ouro às costas e a alavanca na mão.
Os trabalhadores, ao vê-lo, perguntaram-lhe o que era aquilo e ele apenas respondeu: “Esta já cá está com Deus”, e ao pronunciar o nome de Deus, o preto e a grade de ouro recuaram novamente para o fundo do poço.

No fundo do poço ainda está a grade de ouro que tinha sido lançada pelos mouros e que não pode ser retirada por cristãos.

– João, olha ali fora, naquele terreno ali em baixo, achas que aquele é o tal poço onde caiu o negro do texto? Se o que estiver aqui for verdade, ainda lá deve estar a grade de ouro. Vamos lá, atamos a corda que trouxemos a uma árvore e eu vou descer. Quando eu a puxar, tu puxas-me para cima.

– Ok, mas tem cuidado! – pediu o João.

O Toni desceu com muita coragem, não tinha medo de encontrar o esqueleto do negro, queria era mostrar ao mundo que duas crianças conseguiram encontrar uma grade de ouro num poço com mais de 15 metros de profundidade. Quando chegou ao fundo do poço não havia nenhuma grade de ouro, mas havia uma caixinha de ferro que ele levou para cima.

Já na pequena divisão secreta da Casa da Fonte, os dois rapazes decidiram abrir a caixa. Lá dentro havia um papel em muito bom estado que dizia:

O verdadeiro tesouro não é um bem material mas sim a prazer de uma aventura vivida! – leram os irmãos ao mesmo tempo.

            Depois de terem lido esta frase, os dois irmãos sorriram um para o outro e abraçaram-se.Redação Gazeta da Beira