Entrevista a António Giestas

“Gente Que Ousa Fazer” • Paula Jorge

 

A rubrica “Gente Que Ousa Fazer” será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida. Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!

 

Ficha Biográfica

Nome: António Giestas

Idade: 71 anos

Profissão: Empresário

Livro preferido: “Ensaio Sobre a Cegueira”

Destino de sonho: Ilha das Flores – Açores

 

Muito obrigada, Sr. António Giestas, por mostrar disponibilidade para esta entrevista da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”.

Paula Jorge (PJ) – Comecemos pelo princípio.

Pode descrever o seu percurso académico?

António Giestas (AG) –  Após a conclusão da escola primária, em Cambra, frequentei durante cinco anos o Liceu de Viseu. Nos 3 anos seguintes estudei no Liceu D. João de Castro em Lisboa. Terminado o liceu entrei para o IST – Instituto Superior Técnico, donde saí 2 anos depois para cumprir o serviço militar.

 

PJ – No seguimento do percurso académico, fale-nos do seu percurso profissional.

AG – Regressado de Moçambique, depois de mais de dois anos de comissão e na altura já casado e com um filho, trabalhei alguns anos como vendedor de imóveis, tendo mais tarde ingressado numa multinacional alemã, onde permaneci alguns anos.

Em 1984 iniciei atividade própria, que mantive até 2014, nos ramos da metalomecânica, reparação e comércio automóvel, equipamentos de limpeza profissional, logística e distribuição alimentar.

 

PJ – Conte-nos como foi a sua passagem pela tropa em Moçambique. Que recordações guarda?

AG – A minha passagem por Moçambique foi marcada pela dura experiência da guerra, que sempre traz consigo dor e sofrimento para os que nela diretamente participam, mas também, e muito, nas populações por ela afetadas.

Servi nos GES – Grupos Especiais, comandando um grupo de cerca de 70 voluntários de etnia Maconde, em MUEDA – Cabo Delgado.

Restam, daquele tempo, a amizade e a camaradagem com aqueles com quem partilhei um período único da minha vida.

 

PJ – Em trabalho, esteve na Guiné durante alguns anos. Pode falar-nos da sua trajetória pela Guiné?

AG – A partir da independência da Guiné Bissau, e durante muitos anos, estabeleci e mantive relações comerciais com os novos agentes económicos e com diversos ministérios.

O aumento do comércio irregular, a volatilidade e arbitrariedade no estabelecimento das regras aduaneiras e a interferência sistemática das autoridades tornaram, a partir de certa altura, esta atividade desinteressante.

 

PJ – O Sr. António Giestas é um Produtor Florestal de referência. Diga-nos o que é ser um Produtor Florestal.

AG –  Durante várias décadas, fui adquirindo parcelas de terreno na serra de Confulcos, que somadas às que recebi por herança, somam algumas dezenas de hectares.

Não me considero um produtor florestal. Durante a minha vida, plantei em cerca de 10 ha um pinhal com o intuito de dele vir a retirar benefício económico, infelizmente o fogo levou-o.

Nas restantes áreas, a intenção tem sido a manutenção da floresta tradicional, plantando carvalhos e castanheiros –  o grande fogo de 2017 destruiu quase tudo.

 

PJ – A serra da nossa região, que hoje conhecemos, foi sofrendo transformações ao longo dos tempos. Que alterações foram essas?

AG – A serra tem evoluído de forma acelerada nos últimos tempos. Depois de séculos de zona de pastoreio e recolha de matos e lenha, com alguns núcleos arbóreos, sobretudo nas zonas de menor altitude, passou-se há cerca de um século a uma floresta quase homogénea de pinheiro bravo. A vaga sucessiva de incêndios a intervalos regulares e curtos, não tem permitido a regeneração; os poucos exemplares sobreviventes estão a ser eliminados pelo nemátodo.

No meu tempo de criança os eucaliptos eram raros e eram conhecidos pelo nome do local onde se encontravam ou pelo do seu proprietário. A fácil adaptação à nossa região, o seu rápido crescimento e a procura existente, levaram a que muitos proprietários tivessem optado por plantá-los. Assim, hoje, a nossa serra está povoada por eucaliptos, por áreas imensas de matos e escassas manchas de carvalhos que resistiram ao fogo.

 

PJ – Quais são as espécies mais rentáveis e adaptadas à nossa região?

AG – Em meu entendimento, neste momento e com as atuais circunstâncias, o eucalipto é, sem dúvida, a espécie mais rentável. Não tem sido afetado por doenças. Pode ser cortado ao fim de uma década; existe procura no mercado a preços razoáveis.

Existem zonas com boa aptidão para o castanheiro, mas com o aparecimento das novas pragas que o afetam, sem que para elas haja tratamento eficaz, a sua cultura tornou-se de elevado risco.

 

PJ – Fale-nos dos programas de apoio à reflorestação, se é que existem.

AG – De momento desconheço que, para a nossa região, exista qualquer apoio à reflorestação. Se vierem a existir no futuro a burocracia, que normalmente acompanha o processo de candidatura, desanima qualquer um. Além disso, a lista das espécies elegíveis, elaborada pelos “técnicos” da DGF, parece tê-lo sido por forma a que ninguém se candidate:

– Espécies sob forte ameaça sanitária;

– Espécie sem prova de adaptação à região;

– Espécies não rentáveis;

– Espécies não resistentes ao fogo.

PJ – Que legado ao nível florestal vamos deixar às próximas gerações?

AG – Infelizmente não vamos deixar nada para além de eucaliptais desordenados e matagais impenetráveis, que serão varridos por fogos violentos a intervalos regulares e curtos; estes conduzirão ao aceleramento do processo erosivo e, finalmente, à total desertificação.

 

PJ – Quer falar-nos dos seus projetos de vida, ao nível profissional, num futuro próximo?

AG – Aos 71 anos já não tenho projetos profissionais. Enquanto as forças o permitirem, continuarei a cuidar do que resta da floresta de que gosto e a passar algum tempo pelas Flores, onde a floresta não arde.

 

PJ – Para além de tudo o que faz, que outra paixão nutre, que o completa enquanto pessoa?

AG – Há anos pensei em produzir vinho de Lafões e contribuir, assim, para a sua preservação e mais por paixão do que por interesse económico; plantei uma pequena vinha de 6.000 pés, que o fogo reduziu a carvão. Adeus vinha, que eu já não tenho idade para recomeçar.

 

PJ – Imagine a sua vida sem a floresta, como seria?

AG – A floresta só é importante para mim, porque a vivi desde criança. O seu desaparecimento, quase total, marcou-me profundamente.

 

PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?

AG – Diz ele, e com muita razão, que eu não tenho jeito nenhum para esta coisa das entrevistas, mas lá caí, mais uma vez, na armadilha.

 

PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, Sr. António Giestas. Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA!

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *