Entrevista a Sónia Almeida
Bióloga, Investigadora em Microbiologia na Universidade Nova de Lisboa

A rubrica “Gente Que Ousa Fazer “será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida. Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!
Ficha Biográfica
Nome: Sónia Almeida
Idade: 36
Livro preferido: uma pergunta difícil! São vários: O Principezinho, O Alquimista e Ensaio sobre a cegueira, só para mencionar alguns.
Destino de sonho: uma viagem pelo mundo seria qualquer coisa, mas tendo de escolher, talvez Egipto, Turquia, Japão…
Personalidade que admira: Albert Einstein, Marie Curie, Nelson Mandela, entre outras.
Muito obrigada, Sónia Almeida, por mostrar disponibilidade para esta entrevista da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”.
Paula Jorge (PJ) – Comecemos pelo princípio.
Pode descrever o seu percurso académico?
Sónia Almeida (SA) – Estudei na escola Secundária de Vouzela até ao 12ºano. Em 2002 fui para a Universidade de Coimbra, para o curso de Biologia, e cinco anos depois estava a terminar a minha licenciatura pré-bolonha. Logo a seguir, em 2007 entrei no Mestrado de Biologia Celular e Molecular na mesma faculdade, onde no 2º ano desenvolvi o meu projeto de mestrado no laboratório de Citogenética do Instituto de Biologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
PJ – No seguimento do percurso académico, fale-nos do seu percurso profissional.
SA– Depois de ter terminado o Mestrado começou o envio de candidaturas para tentar encontrar trabalho na minha área. Não tendo ainda bem definida a área em que gostaria de trabalhar, e ainda não tendo muita experiência, concorri a várias bolsas de investigação e também para vários laboratórios como técnica de diagnóstico. Várias entrevistas depois e seis meses após ter terminado o Mestrado ganhei uma bolsa de investigação no Laboratório de Microbiologia Molecular dos Patogéneos Humanos do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa (ITQB NOVA). Com esta bolsa comecei a trabalhar na área de Microbiologia e durante 6 anos, entre 2010 e 2016 trabalhei como bolseira investigação. Foi durante este período que comecei a ganhar gosto pela investigação e pela área da Microbiologia, e assim, naturalmente, o doutoramento surgiu nas minhas perspetivas futuras. Em 2016 ganhei uma bolsa de doutoramento. E durante quatro anos, no mesmo grupo de investigação desenvolvi o projeto de doutoramento que terminou agora recentemente. Defendi o meu doutoramento em maio passado.
PJ – Há sempre uma curiosidade, por parte do cidadão comum, em saber como nasceu este amor pela área de Microbiologia. Conte-nos como tudo aconteceu?
SA – Na verdade, aconteceu tudo muito por acaso. Já durante o ensino secundário, estava mais virada para a área das ciências. E quando chegou a altura de escolher um curso, não tive grandes dúvidas que gostaria de trabalhar num laboratório, e por isso Biologia, parecia o curso certo. Depois de ter terminado o mestrado e ter concorrido a várias bolsas, acabou por ser por acaso que comecei a trabalhar na área da Microbiologia. De facto, até ter começado a trabalhar no ITQB NOVA não tinha experiência alguma nesta área. Daí que ter conseguido aquela bolsa em 2010 tenha sido para mim uma grande surpresa. Mas suponho que tudo acontece como deve acontecer, porque acabei por descobrir que gosto realmente desta área dos “organismos pequeninos”.

PJ – O trabalho de pesquisa é exaustivo e moroso nos seus resultados. Como gere esta situação no seu dia a dia?
SA – É verdade, muitas vezes leva muito tempo até terminarmos uma experiência e obtermos um resultado. E nem sempre é o resultado que gostaríamos. Por vezes pode ser um pouco frustrante e é uma situação que nem sempre é fácil de gerir. Nestes casos é importante sermos resilientes e pacientes. Mas quando trabalhamos com uma boa equipa, em que há entreajuda e troca de ideias acaba por ficar mais fácil. Além disso, muitas vezes o trabalho de pesquisa não fica só nas bancadas do laboratório. Trazemos trabalho para casa, há sempre artigos científicos para ler, apresentações para fazer. No entanto tem de haver um equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, e em casa, quando possível, tento sempre aproveitar as horas fora do trabalho para relaxar e não pensar nas bactérias a crescer e nos resultados que não dão como o esperado.
PJ – Destaque uma das suas maiores pesquisas da qual muito se orgulha na sua carreira profissional.
SA – Quando penso num projeto que me tenha deixado orgulhosa, vem-me logo à cabeça o “PneumoS”. “Pneumo” de Streptococcus pneumoniae ou pneumococcus, a bactéria que tem sido o foco do meu trabalho, e “S” de “smoking”. Começo por explicar que esta bactéria pode causar uma série de doenças, como otite, pneumonia e meningite. No entanto também é uma bactéria que pode viver na nasofaringe, um lugar que fica por trás do nariz, sem causar qualquer doença. A isto chamamos colonização, e ocorre principalmente nas crianças. O foco do grupo de investigação onde eu trabalho é o estudo da colonização por esta bactéria. De uma maneira muito resumida, para não aborrecer os leitores, o PneumoS teve como objetivo estudar a dinâmica de colonização por S. pneumoniae em adultos saudáveis. Outro dos seus objetivos foi perceber a influência do tabaco nessa dinâmica. Mas para além dos desafios laboratoriais, outro desafio deste projeto foi a obtenção das amostras a estudar. Durante 6 meses, recolhemos amostras, pelo menos uma vez por mês, a 87 voluntários. Ou seja, se um voluntário não estivesse colonizado com pneumococcus fazíamos uma zaragatoa (palavra que agora, infelizmente, muito gente já sabe o que é) uma vez por mês. No entanto, se o voluntário estivesse colonizado com a bactéria, a zaragatoa era feita uma vez por semana. Foi um desafio conseguir encontrar voluntários dispostos a participar neste estudo durante 6 meses. Aliás levámos quase 2 anos até conseguir todos os voluntários. Eu e uma enfermeira deslocávamo-nos sempre ao encontro dos voluntários para fazermos a recolha das zaragatoas e depois eu regressava ao laboratório onde processava as amostras para termos resultados em 2-3 dias. Mas apesar de todas as dificuldades foi algo que me deu um prazer imenso fazer e os resultados obtidos foram muito engraçados e acrescentaram novos conhecimentos à área.
PJ – Tem participado em múltiplos projetos, a nível nacional e internacional, na sua área. Pode falar-nos deles?
SA – Um dos projetos em que participei e de que mais gostei foi aquele de que já aqui falei, o PneumoS. Outro dos projetos em que estive envolvida, entre 2010 e 2012 foi o PneumoEL, “EL” de “elderly”, neste projeto pretendíamos estudar a prevalência de colonização na população sénior. No espaço de dois anos recolhemos mais de 3000 amostras. Este foi o primeiro projeto de investigação de que fiz parte enquanto bolseira de investigação. Além destes dois projetos em que estive envolvida de uma forma mais direta, também participei em projetos que decorrem no laboratório desde 1996, em que recolhemos amostras de crianças (mais uma vez zaragatoas) a frequentar infantários para estudar a colonização por S. pneumoniae e o impacto da introdução de vacinas contra esta bactéria.

PJ – Salientando a sua participação como voluntária na iniciativa de testes ITQB NOVA COVID-19 para o município de Oeiras, que resultados obteve?
SA – Esta iniciativa surgiu no âmbito de uma parceria realizada ente a Câmara Municipal de Oeiras e o ITQB NOVA. O município de Oeiras adquiriu cerca de 12000 testes para diagnóstico de COVID19 a serem aplicados a entidades com respostas sociais ou profissionais de primeira linha. O ITQB ficou com a responsabilidade de fazer o tratamento laboratorial das amostras recolhidas. No espaço de um mês os laboratórios foram adaptados para a realização dos testes, e os protocolos foram implementados. Atualmente, somos uma equipa de cerca de 50 voluntários, estudantes e bolseiros de investigação do ITQB NOVA. Em dois meses foram analisadas mais de 2000 amostras, das quais, cerca de 1% foram positivas para SARS-CoV-2. Esta iniciativa é importante já que permite a deteção precoce do vírus em indivíduos saudáveis, sem sintomas, o que poderá contribuir para a prevenção de outbreaks e a propagação do vírus.
PJ – Muitos foram os prémios que já alcançou, ganhando bolsas de pesquisa. Pode falar-nos destes prémios?
SA – Esses prémios de que a Paula Jorge fala, são as bolsas de investigação que fui ganhando ao longo destes últimos anos e que me têm permitido trabalhar na área da investigação. Uma delas foi a minha bolsa de doutoramento que começou em Janeiro de 2016 e terminou no fim do ano passado. Enquanto bolseiros de investigação não temos direito a um contrato de trabalho. É uma situação um pouco ingrata e precária. Mas enfim, quem escolhe este caminho da investigação fá-lo por amor à camisola.
PJ – Quer falar-nos dos seus projetos de vida, ao nível profissional, num futuro próximo?
SA – Pelo menos durante o próximo ano vou continuar no mesmo grupo de investigação com uma bolsa. No entanto, já são vários anos na investigação, e confesso que gostava de experimentar novas vertentes, mais aplicadas, nomeadamente na indústria farmacêutica, ou até mesmo no diagnóstico laboratorial.

PJ – Para além de tudo o que faz, que outra paixão nutre, que o completa enquanto pessoa?
SA – Além da ciência, gosto daquelas coisas que a maioria das pessoas gosta de fazer. Tenho uma paixão por viajar, por descobrir e conhecer diferentes lugares e culturas. Os livros também me tornam mais completa, gosto imenso de ler. Quando um livro me prende, fico horas a ler e esqueço-me do que está à volta.
PJ – Imagine a sua vida sem a área da pesquisa, como seria?
SA – Sem a área da pesquisa, sim, consigo imaginar, até porque também tenho interesse no trabalho da indústria farmacêutica ou no trabalho de diagnóstico. Muitas vezes este tipo de trabalho mais aplicado pode vir a ter um impacto maior na ajuda ao outro, e isso torna-se mais gratificante. Mas já sem arregaçar as mangas e ir para a bancada, estar rodeada de pipetas e frascos com meios de cultura J, isso já se torna mais difícil…
PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?
SA – Várias apresentações em congresso e seminários, e até uma tese de doutoramento depois, e ainda não me sinto confortável a falar para uma audiência.
PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, Sónia Almeida. Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA! Peço-lhe que deixe uma mensagem a todos os nossos leitores.
SA – Eu é que agradeço à Paula Jorge e à Gazeta da Beira por este convite. Aos leitores da Gazeta da Beira só posso dizer que seja qual for o percurso escolhido, o importante é lutar por aquilo que realmente queremos, e mesmo que pareça difícil, o importante é nunca desistir e acreditarmos de que somos capazes. Depois é aproveitar as oportunidades que forem surgindo. E mantenham-se saudáveis!!
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