António Bica

Medidas estruturais de prevenção de fogos florestais (parte 4)

Notas sobre a organização da floresta no norte e centro do país de modo a incluir o controlo do mato no sobcoberto do arvoredo, dinamizando a sua economia com pastoreio extensivo de animais ruminantes, dando relevo à florestação com sobreiros por ter grande interesse económico

A –  Último capítulo da legislação florestal  proposta  para organização da florestal em Portugal

Capítulo IV

Codificação da legislação florestal

 

Artigo 32

Código Florestal

 

  1. O governo nomeará comissão para a elaboração de projecto de Código Florestal que reúna as normas legais reguladoras do sector das florestas.
  2. A comissão deverá ser composta por técnicos do sector florestal e por um representante de cada partido com assento parlamentar que aceitar designá-lo, podendo esse representante fazer-se acompanhar de técnico ou técnicos da sua escolha.
  3. A comissão será constituída no prazo de um ano após a entrada em vigor desta lei e concluir o seu trabalho no prazo de 2 anos, que poderá ser prorrogado até 3 anos por decisão fundamentada da comissão.

 

 

B – As circunstâncias sociais, económicas e políticas de que resultam os fogos florestais que têm devastado a floresta portuguesa nas regiões do norte e centro e causaram cerca de 120 mortos este ano de 2017 e enormes prejuízos em morte de gado, casas e instalações industriais

 

  1. A área florestal do país. A floresta ocupa grande parte da superfície do país continental, cerca de 3,16 milhões de hectares dos 8,9 milhões da sua área total, o que corresponde aproximadamente a 35,5% da superfície. A restante área do país continental, cerca de 2,84 milhões de hectares, é ocupada por matos e pastagens (cerca de 32%), sendo aproximadamente 1,97 milhões de hectares de matos susceptíveis de produzir floresta, a ocupada por actividades agrícolas (cerca de 24%), o restante, (9%): por áreas urbanizadas (5%), águas interiores (2%) e solos improdutivos (2%). Na área de floresta é incluída a destruída por fogos com anterior ocupação florestal, admitindo-se que venha a prazo não longo a ter uso florestal por regeneração natural ou repovoamento.

 

  1. O decréscimo da área florestal e da agrícola. De 1995 a 2010 a área a floresta decresceu de 3,305 para 3,154 milhões de hectares, com perda de cerca de 151 mil hectares, o que se deveu principalmente à destruição por fogo sem repovoamento em prazo razoável.

No mesmo período (de 1995 a 2010) decresceu a área agrícola que passou de 2,407 para 2,114 milhões de hectares, com redução de 293 mil hectares, em consequência de, nas áreas de pequena e média propriedade fundiária e de baldios, terrenos comunitários que ocupam em regra os piores terrenos situados nas áreas geográficas da pequena e média propriedade, a pequena e média agricultura de subsistência que aí se praticou até ao fim da década de 1950 ter sido progressivamente abandonada pela população rural que a praticava, procurando na emigração interna e para outros países melhores condições de vida. Os poucos que ainda teimam em viver dela são em regra idosos, só o conseguindo porque recebem magras pensões de reforma ou outras; à medida que vão morrendo a área de terra que deixam de cultivar vai ficando a mato. A área agrícola que foi perdida passou a mato quase toda, com excepção de alguma que foi urbanizada.

 

  1. A razão dos fogos florestais em Portugal e na Madeira. Os incêndios florestais são o maior flagelo da cultura florestal no país continental e na Madeira por terem clima mediterrânico, por isso com verões quentes e secos e chuva nas estações de temperatura mais baixa, divergindo da generalidade dos restantes climas, em que chove na época de temperaturas altas, ou mais nessa época como no norte da Europa. Nos Açores, onde também chove durante todo o ano, não há fogos florestais.

De 1990 a 2012 foram destruídos pelo fogo em Portugal cerca de 2,5 milhões de hectares de floresta, dos quais parte significativa não foi reflorestada em prazo razoável. A redução da área a floresta teve maior peso no norte e centro do país (norte do rio Tejo) e nas serras de Portalegre e do Algarve, porque na restante parte de país a floresta o solo no sobcoberto do arvoredo é quase todo cultivado com pastagem para gado ruminante e por isso pouco susceptível ao fogo.

O significativo decréscimo da área agrícola de 1995 para 2010 resultou de abandono das culturas agrícolas com passagem a mato. O mato usado em algumas regiões para pastoreio extensivo por quem não é dono dos prédios correspondentes, o que ocorre principalmente nas zonas de serra onde domina a pequena e média propriedade e nos baldios é frequentemente causa de incêndios lançados para renovação dos pastos.

 

  1. A composição da floresta em Portugal continental. Da floresta (3,16 milhões de hectares) cerca de 812 mil hectares é de eucaliptos, de sobreiros cerca de 737 mil hectares, de pinheiros bravos cerca de 714 mil hectares, de azinheiras cerca de 412 mil hectares, de carvalhos cerca de 150 mil hectares, de pinheiros mansos cerca de 130 mil hectares, de castanheiros cerca de 30 mil hectares, e o restante de outro arvoredo. A tendência tem sido de redução gradual da área de pinheiro bravo, que passou de 1.252 mil hectares na década de 1980 para 885 mil hectares em 2006, sendo actualmente de cerca de 714 mil hectares sobretudo em consequência do maior interesse económico do eucalipto.

A espécie florestal com maior progressão é o eucalipto, que passou de cerca de 241 mil hectares na década de 1970 para 740 mil hectares em 2006 e recentemente para cerca de 812 mil hectares.

A área a sobreiros evoluiu, em números aproximados, de 657 mil hectares na década de 1970 para 716 mil hectares em 2006 e 737 mil hectares em 2015.

Também o pinheiro manso progrediu significativamente em área, passando de cerca de 50 mil hectares na década de 1970 para cerca de 130 mil hectares em 2006.

Os carvalhos passaram de cerca de 71 mil hectares na década de 1970 para cerca de 150 mil hectares em 2006.

 

  1. A evolução relativa das espécies florestais. A significativa redução da área ocupada por pinheiro bravo deve-se à sua fraca resistência aos fogos florestais, a ser atacado pelo nemátodo (bursaphelenchus xylophilus) e por ter menor interesse económico que o eucalipto.

O aumento da superfície plantada a eucaliptos resulta do preço da sua madeira, da boa produtividade, da precocidade da entrada em produção (cerca de 10 a 12 anos após a plantação) e da não curta rotação da produção (cerca de 10 a 12 anos).

O alargamento da plantação dos sobreiros deve-se ao bom preço da cortiça e da curta rotação da produção (9 a 10 anos), apesar da sua entrada em produção demorar cerca de 30 anos, o que é compensado por no sobcoberto dos sobreiros se produzir pastagem para gado, incluindo porcos de montanheira, enquanto que no sobcoberto dos eucaliptos em monocultura não se desenvolve vegetação relevante.

O aumento da área do pinheiro manso resulta também de razões económicas, mantendo-se em produção durante 100 anos ou mais. A rotação da produção é anual após os pinheiros começarem a frutificar, o que actualmente, sendo enxertados, é em prazo de cerca de 20 anos, e as pinhas são pagas a preços compensadores.

 

  1. Os fins da produção florestal a considerar. A política florestal terá que ter em conta a economia global da floresta, havendo que ser compatibilizada com outros fins, que se indicam por ordem de importância: fixação e preservação dos solos; fixação de dióxido de carbono atmosférico por fotossíntese compensadora da queima de combustíveis fósseis em quantidades que excedem actualmente a sua conversão em matéria orgânica por fotossíntese; compatibilização da cultura das espécies florestais com o pastoreio de gado no seu sobcoberto, sobretudo pequenos ruminantes, que controlam o desenvolvimento dos arbustos e das herbáceas no sobcoberto do arvoredo, prevenindo a eclosão e o desenvolvimento dos fogos florestais; preservação de espécies vegetais autóctones e de animais selvagens em risco de excessiva redução ou extinção para assegurar a biodiversidade, devendo para esse fim ser destinada a corredor ecológico e a prevenção da eclosão e desenvolvimentos de fogos florestais área de cerca de 10% da cada unidade de exploração florestal; os corredores ecológicos deverão ter cerca de 10 metros de largura se a exploração florestal for de árvores resistentes ao desenvolvimento dos fogos, ou cerca de 100 metros de largura se a unidade de exploração florestal for de pinheiros, eucaliptos ou espécies semelhantes não resistentes à progressão dos fogos, porque, quando os fogos florestais ocorrem com tempo muito seco e ventos fortes, as fopas, que são constituídas sobretudo por folhas de eucalipto carregadas de óleo a arder, são levadas pelo vento para grande distância aí iniciando novas frentes de fogo ; os corredores ecológicos terão que ser arborizados com espécies folhosas autóctones produtoras de frutos comestíveis pelos animais selvagens (bolotas, castanhas e outros) com espaçamento entre elas de cerca de 10 metros, e com número semelhante de arbustos produtores de frutos comestíveis pela fauna selvagem plantados de preferência junto de cada árvore para facilitar o uso de máquinas no controlo do desenvolvimento da vegetação arbustiva e herbácea se necessário; os corredores ecológicos deverão ser criados em redor de cada exploração florestal, e também ao longo das vias públicas e das linhas de água públicas e comunicar livremente com as áreas semelhantes das explorações florestais confinantes; a política florestal deverá também visar a produção de paisagem com zonas de lazer capaz de atrair população urbana às zonas rurais contrariando o seu despovoamento.

 

  1. A legislação florestal a criar. O quadro legal a regular a produção florestal deverá ter em conta os objectivos referidos e as medidas para os prosseguir não podem deixar de se harmonizar com os direitos e os interesses das populações locais, tendo-se especial cuidado nas largas áreas do país em que domina a pequena e média propriedade agrícola, florestal e a mato (toda a parte ao norte do Tejo, as serras de Portalegre e do Algarve). E deverá ser de cumprimento tão desburocratizado quanto possível, com participação dos serviços municipais e os de freguesia, tendo em conta a sua proximidade com a população local e o que estiver previsto quanto ao espaço rural florestal e a florestar no plano director municipal correspondente. A actual floresta de leis e regulamentos sobre floresta é tão complexa, contraditória e com tantos diplomas antigos, alguns com mais de um século, que a sua interpretação se tornou muito difícil mesmo para juristas, necessitando de ser racionalizada com redução a código florestal.
Nota: Continua em próxima edição

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