António Bica

O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (22)

Os Judeus no Império Romano. A reforma do judaísmo por Cristo

Ed678_p22 No ano 63 antes de Cristo o romano Pompeu conquistou, como já se referiu, a Palestina, que corresponde ao território que vai do Egipto à Síria, integrando-a no Império Romano. Pompeu governou com Júlio César o Império Romano na crise final da Republica de Roma no século primeiro antes de Cristo.

À Palestina foi então reconhecida pelos romanos alguma autonomia, continuando a ser governada pela família clerical dos Asmoneus a que pertenceram os Macabeus. Em 40 antes de Cristo os romanos, afastando a família dos Asmoneus, entregaram o governo da Palestina a Herodes com o título de rei subordinado a Roma. Herodes morreu em 4 antes de Cristo. Desse facto, que é seguro, resulta que Jesus, depois chamado Cristo, terá nascido 1 a 3 anos antes da morte de Herodes, dado que é referido nos evangelhos ter sido levado para o Egipto depois do seu nascimento para fugir a perseguição de Herodes. Assim o nascimento de Jesus tem que ser situado entre o ano 5 e o ano 7 antes do actual calendário conhecido por Gregoriano.

Quando Herodes morreu, cerca do ano 4 antes de Cristo, o Governo da Palestina foi confiado a procuradores de Roma, tendo sido atribuído ao filho de Herodes, chamado Herodes Agripa I, título de rei, mas com poder pouco mais que honorífico. A Herodes Agripa I sucedeu Herodes Agripa II.

Por esse tempo desenvolveu-se na Palestina, contra os romanos, forte resistência política e cultural fundada na religião judaica. Diversos grupos e correntes religiosas procuravam resistir ao poder dos romanos: os Essénios , os Zelotas, os Fariseus, os Sicários e outros.

Nos evangelhos há sinais disso: um dos discípulos de Jesus é conhecido por Zelota (Simão o Zelota), o que é revelador de que Jesus e o seu grupo não aceitavam o poder romano.

Como já se referiu, as construções religiosas são compostas pelos imaginados espíritos, deuses, cosmogonias; e, a nível organizacional, pelos templos, estruturas sacerdotais e rituais. Com o desenvolvimento económico e consequentemente social, cultural e político, embora mantendo a base mitológica, desenvolveu-se notável esforço de racionalização das religiões, que se intensificou no século 1 antes de Cristo com o monoteísmo e a criação do espírito filosófico na Grécia.

Cerca de dois séculos antes do século 1 o faraó egípcio Aquenaton criou a primeira religião monoteísta conhecida. Moisés, que certamente existiu, mesmo que muito mitificado, terá sido criado no palácio de Aquenaton e tentado assegurar a sobrevivência do monoteísmo chefiando as tribos hebraicas para resistirem ao regresso do politeísmo no Egipto. Falhada a resistência, conduziu-as até ao território de Canaan, que é hoje a Palestina. O monoteísmo subsistiu com dificuldade ao abastardamento resultante pela cultura tribal das tribos hebraicas.

Apesar da integração dos judeus nos estados helenistas depois do início do século 4 antes de Cristo conservaram a cultura tribal anterior à sua adesão ao monoteísmo. As dez tribos hebraicas do norte de Canaã haviam perdido a identidade cultural e religiosa na sequência de prolongado desterro no século oitavo antes de Cristo na Assíria da sua classe dirigente.

Posteriormente, no século sexto antes de Cristo, ocorreu o desterro na Babilónia, durante cinquenta anos, dos dirigentes da tribo de Judá que havia absorvido a de Benjamim. Com a conquista da Babilónia pelo império persa integrou-se nele a tribo judaica, a que sucederam o império helenístico de Alexandre Magno e os reinos em que depois se fragmentou e posteriormente o império romano. A influência cultural destes impérios resultante do desenvolvimento económico e de activas trocas comerciais tendeu a apagar a cultura tribal dos pequenos povos sucessivamente englobados neles com substituição por novos valores universalizantes conformes com a nova realidade económica e política. Os ritualizados valores tribais foram sendo substituídos por outros de maior tolerância nascidos da convivência de diversos povos, distintas religiões, diferentes línguas e diferenciados costumes. Apesar disso a religião judaica fechou-se, mantendo carácter tribal arcaico. Sob o domínio romano o reformador religioso Jesus tentou libertar o monoteísmo judaico desses valores tribais.

O progressivo desaparecimento dos valores tribais no médio oriente e nas margens mediterrânicas decorreu do mais acelerado desenvolvimento das forças produtivas derivado sobretudo do domínio das tecnologias de extracção de metais e de produção de ligas metálicas, do desenvolvimento das técnicas de irrigação, do uso do cavalo e do alargamento do comércio.

Pelo meado do primeiro milénio antes de Cristo, na Grécia, a pulsão humana para a compreensão do universo começou a evoluir das múltiplas explicações míticas para a busca de explicações racionais comunicáveis aos outros humanos por palavras compreensíveis, isto é discurso racional designado em grego “logos”.

Cristo, reformador religioso do monoteísmo hebraico influenciado pelo despontar de novos valores humanizantes e universais, rejeitou os valores judaicos de carácter tribal e rígido formalismo litúrgico que atribuía a essência do valor religioso ao cumprimento formal rigoroso dos preceitos fixados na Hálaca, que corresponde ao que os islâmicos designam hoje sharia. Defendeu Jesus a substituição do formalismo da corrente religiosa farisaica por valores centrados no respeito por todos os humanos com prevalência da boa intenção e do espírito compassivo sobre a prática ritual.

Esses novos valores têm registo nos quatro evangelhos chamados canónicos em múltiplas passagens de que se destaca:

No evangelho de Marcos, 2, 23-24 e 27, consta o indicado a seguir, que é referido também em Mateus, 9, 1-13 e Lucas, 5, 17-32:

Em dia de sábado Jesus caminhava por uma seara com os seus discípulos, que colheram espigas para comer os grãos. Os fariseus perguntaram: Por que razão fazem ao sábado o que a lei não permite?

Jesus respondeu: O sábado é o dia de descanso criado para bem dos humanos. Não foram eles criados para bem do sábado.

(Nos sábados os judeus consideram interdita toda a acção útil de humanos e de animais ao serviço dos humanos por esse dia corresponder ao referido no Génesis como aquele em que Deus descansou depois de criar o mundo durante os seis dias precedentes).

No evangelho de Marcos, 3, 1-6, consta também, como é referido em Mateus, 12, 9-14 e em Lucas, 6, 6-11:

Em outro sábado Jesus entrou na casa de oração, onde estava um paralítico de uma mão. Jesus perguntou : A lei manda que ao sábado se faça o bem ou o mal? Salvar a vida ou deixar morrer? Então disse ao que tinha a mão paralítica: Estende a mão. E a mão foi curada. Os fariseus (por isso) saíram da casa de oração e juntaram-se aos partidários do rei Herodes para verem como haviam de matar Jesus.

(A casa de oração não era considerada templo, mas local de reunião dos judeus da corrente religiosa farisaica de que Jesus estava próximo).

No evangelho de Marcos, 7, 18-23, é referida a desvalorização por Jesus dos interditos alimentares religiosos judaicos, como também consta de Mateus, 15, 10-20:

Não é o que comemos que nos torna impuros, mas o que vem do íntimo de nós como os maus pensamentos que levam ao crime, à avareza, à inveja, à calúnia e ao orgulho.

No evangelho de Marcos, 12, 13-17, é relatada a oposição activa de Jesus aos interesses dos sacerdotes judeus instalados à sombra do templo de Jerusalém, o que consta também de Mateus, 22, 15-22 e de Lucas, 20, 20-26, e a tentativa de incriminar Jesus de modo a ser condenado pela autoridade romana.Redação Gazeta da Beira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *