Crónicas do Olheirão

Há vida para além da dívida

• Mário Pereira

Ao longo dos últimos anos e em particular nas últimas semanas, a propósito do novo governo grego, tem havido uma tendência para resumir a política à dívida. Entre os partidos de esquerda este é o tópico dominante e quase único.

A dívida parece, cada vez mais, ser o instrumento encontrado pelos super ricos para controlar em seu benefício a política e a riqueza do mundo.

Primeiro emprestaram-nos o dinheiro e agora querem-nos a trabalhar para eles.

Na verdade trata-se de aplicar aos estados estratagemas que têm sido usados por alguns grandes grupos económicos para destruir pequenos concorrentes e pelas cadeias da grande distribuição para explorarem os pequenos fornecedores.

Em ambos os casos o processo é muito semelhante.

Primeiro até lhe emprestam dinheiro para produzirem para eles o mais possível, de preferência em tal quantidade que deixem de pode fornecer outros clientes. A seguir e sem aviso prévio deixam de comprar e o pequeno fica com a mercadoria em casa, as suas dívidas e sem clientes.

O passo final é comprar por preço irrisório a empresa ou impor-lhe condições de venda da produção de tal modo gravosas que essas pequenas empresas, que eram prósperas, se tornam  de facto servos das grandes.

Com a dívida pública acontece o mesmo.

Os muito ricos acumularam tanto dinheiro que já não eram capazes de o investirem com fins produtivos e começaram a rentabilizá-lo emprestando-o, fundamentalmente, às pessoas e às famílias para comprarem carros e casas e aos estados.

Agora estamos a chegar ao ponto em que muitas famílias e alguns estados já não podem pagar e o grande capital tenta impor as suas condições e tornar-nos seus servos.

Focarmos o debate político na dívida em si mesma é do interesse do grande capital que,enquanto estávamos distraídos, foi impondo políticas completamente anti-sociais que só servem os seus interesses e não têm merecido a devida contestação da parte dos partidos de esquerda.

A gravidade de algumas medidas tomadas em Portugal e um pouco por toda a Europa vai muito para além da dívida.

Em Portugal foi feita uma contra revolução na educação saída da cabeça do ministro Crato que a aplicou com o fanatismo próprio dos convertidos. A coisa menos perigosa que ele fez terá sido a prova de avaliação dos professores.

Problemas sérios  são as alterações de alguns programas, o aumento da turmas, os exames do 4º e do 6º ano e a introdução de uma cultura que justifica a exclusão dos mais fracos e dos mais pobres da escola.

Nas relações laborais o que foi feito é uma barbaridade. Hoje a precarização e o abaixamento dos salários atingem níveis que não permitem às pessoas viverem do seu trabalho com dignidade.

Os trabalhadores deixaram de ser vistos como pessoas, passando a serem vistas apenas como mais um custo das empresas que deve ser gerido como qualquer outro custo.

Uma das formas de reduzir alguns custos é contratar o seu fornecimento a empresas especializadas em vez de os produzir internamente, por exemplo a eletricidade, as comunicações ou a gestão de cantinas e refeitórios.

Acontece que este princípio está a ser aplicado em escala gigantesca à gestão dos trabalhadores. Há empresas de média e grande dimensão que não têm trabalhadores contratados e recorrem apenas aos serviços de empresas de trabalho temporário, que se tornaram os maiores empregadores em Portugal.

Acredito que os partidos não possam comprometer-se com soluções para a dívida, mas não vejo nada que impeça os partidos de esquerda e até os da direita civilizada de apresentarem propostas para criarem uma sociedade mais justa e de combaterem esta exploração do capital sobre as pessoas.Redação Gazeta da Beira

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