Isabel Silvestre
Trilogia do ser
Ver – sentir – ouvir.
Do viver na Serra, da Serra e dos montes faltam montes de encontros para ficar, estar, ver sentir, para os poder Amar…
Estes são os Retratos Maiores, os da verdadeira dimensão…
Àcerca da Serra, Miguel Torga diz – “Somente quem a passeia, a quem a namora duma paixão presente e esforçada, abre o seu coração e seus tesouros.”
Onde estão as gentes da Serra, onde está aquela força telúrica onde Deus Terra Homem irmanados num só eram um todo?
Onde andarão os dueiros do gado e as cantigas do seu encaminhar para o monte?
Sant’Antonho leb’o Monte,
Sant’Antonho leb’o gado,
Sant’Antonho leb’a mim…
Sant’Antonho me lubar,
Ninguém tenha dó de mim…
Bala, bala, bala, bai,
Bala, bala, bala, bai.
É cá pinta! chou, é é é é!…
Os carros de bois em que as cantadoiras eram afinadas conforme o gosto do dono e o seu cantar era a sua marca…
Por onde andará a alegria das sementeiras, das ceifas, das desfolhadas, do trabalho do linho, das Romarias?
Num há dinheiro que pague
A filha de um labrador
And’ó Sol e and’à chuva
E tem sempre a mesma cor
Foi à Senhora da Laja
Num’a pedra massantei
Co santido nos amores
Nem a ‘smola à Santa dei.
E os recados através do canto e os segredos…
– Para bom entendedor meia palavra basta.
Ai o nome do meu amori
Ai cum quatro letras si ‘screbi.
Ai a prumeira é um’a
Ai as oitras fico em brebi
Ai ó ai ó ai ó larai ó ai
E se a resposta não vinha logo, é porque o tempo da serra tem tempo para escutar o silêncio, e no silêncio estão sempre todas as palavras e o que elas não conseguem dizer, porque não há palavras…
– O amor quando é sincero, bem se diz sem se falar.
O homem serrano sabe amanhar a terra e é capaz de se autosustentar, fazer e refazer a sua vida, começando pela sua habitação.
Ele sabe semear, granjear, colher, moer, amassar, consoar o sangue do seu pão.
Referindo-se mais uma vez à Serra Miguel Torga diz – “Perder-se por ela acabo num dia de neve em que as fragas são fofas e há flores no cervum, é das coisas inolvidáveis que podem acontecer a alguém. Para lá da certeza de um refúgio amplo e seguro onde não chega a poeira da pequenez, nem o ar corrompido da podridão, o peregrino esbarra a cada momento com a figuração do homem que desejaria ser simples, livre e feliz, um homem de pau e manta a guardar um rebanho, criatura ainda impoluta do pecado original, para quem a vida não é, nem um suplício nem degradação, mas um contínuo encontro com a natureza com o que ela tem de eternamente casto, exaltante e purificador.”
Retratos sagrados onde a mão de Deus nos diz ter seu sacrário: quer nas noites invernosas onde o vento canta e assobia, a neve gela e a chuva cai como quem a despeja, quer nos milagres da Primavera onde no seu granito cinzento nascem cravos cor de rosa, delicadas flores de todas as cores que só poderiam ser semeadas e pintadas por suas Divinas Mãos. Tapetes roxos da queiró ou carrapata, como o povo lhe chama, tão agarrada está à terra-mãe. Jardins de carqueija e giesta de amarelo-oiro, estes a quererem dar mais nas vistas como raparigas a caminho da romaria em trajos de festa. Mas o nosso sentir fica preso ao roxo, às cores do Tempo Santo. Do recolhimento, da interiorização a tantas perguntas sem resposta mas que estão em todas as coisas… Do murmurar das pequenas fontes, do cantar dos ribeiros, ou sussurrar das quedas de água maiores, de uma pureza original, em que a água é uma arco-íris desfeito.
E o nascer do Sol?
E o pôr do Sol a mergulhar no mar?
Comparando este viver com o da cidade, somos levados a exclamar como Elliot: “Onde está o conhecimento que perdemos com a informação?
Onde está a sabedoria que adquirimos com o conhecimento?”
Quantos retratos de vida ainda estão por fazer? Será que ainda temos tempo para os registar? Na memória ainda estão, mas é preciso que fiquem para o tempo que há de vir!…Redação Gazeta da Beira
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