Entrevista a Alexandre Manuel Nunes Gonçalves
						
Técnico municipal, jornalista e radialista
									
						
	
	
	
“Gente que ousa fazer”
• Paula Jorge
A rubrica “Gente Que Ousa Fazer “será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida. Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!
“Entendo que denunciar aquilo que está mal é um dever e um direito. O meu comportamento crítico acaba por robustecer e enaltecer a democracia.” 

Ficha Biográfica
Nome: Alexandre Manuel Nunes Gonçalves
Idade: 45
Onde vive: Guarda
Profissão: Técnico Superior na Divisão de Educação, Intervenção Social e Juventude da Câmara Municipal da Guarda
Livro: O Filho de Mil Homens de Valter Hugo Mãe
Música: Bairro do Oriente de Rui Veloso
Destino de sonho: Polinésia Francesa
Personalidade que admira: Manuel Alegre
 
Muito obrigada, Alexandre Gonçalves, por mostrar disponibilidade para esta entrevista da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”.
Paula Jorge (PJ) – Comecemos pelo princípio. Pode descrever o seu percurso académico e o profissional?
Alexandre Gonçalves (AG) – Eu é que agradeço o convite. É para mim uma honra e um privilégio partilhar convosco um pouco da minha vida.
Concluí o ensino secundário e decidi, contra a vontade dos meus pais, ingressar no mercado de trabalho. Aos 18 anos comecei a trabalhar na empresa Montagens Elétricas Civis e Industriais (MECI). Estive na MECI cerca de dois anos, na qual desempenhei funções de assistente administrativo. Depois, e durante sensivelmente dois anos, trabalhei nas Piscinas Municipais da Guarda. Ingressei na Câmara Municipal da Guarda, no ano de 2001, com as funções de assistente operacional. Entretanto, fui-me apercebendo do erro que cometi quando deixei de estudar e matriculei-me no Instituto Superior de Administração, Comunicação e Empresa (ISACE). Com o estatuto de trabalhador-estudante, e com muito esforço e dedicação tirei a licenciatura em Relações Públicas. Pouco tempo depois de me licenciar, e na Fundação Frei Pedro, terminei com sucesso a pós-graduação em Reabilitação Patrimonial. Enquanto frequentava o ensino superior, passei da carreira de assistente operacional para a carreira de assistente técnico. Quando terminei a licenciatura fui reclassificado para a carreira de técnico superior. Portanto, sou técnico superior na Câmara Municipal da Guarda há vários anos.
Na qualidade de técnico superior exerci funções de coordenador do Gabinete de Apoio às Freguesias e no sector de Acão Social. Atualmente, exerço funções na Divisão de Educação, onde coordeno vários projetos socioeducativos ligados à escrita, leitura, expressão dramática, teatro, estimulação cognitiva e promoção de debate. Estes projetos, denominados de oficinas, são distribuídos por várias escolas e instituições do concelho da Guarda.
As oficinas estimulam as capacidades criativas individuais e coletivas dos participantes, as competências pessoais e de interação em grupo, e a inclusão social de todos, sendo potenciadoras de novas experiências emocionais e artísticas. São espaços libertadores de sentimentos e de reminiscências que combatem a “sociedade descartável” que teima em amamentar a trivialidade, a aparência, os chavões e os estereótipos. É fundamental melhorar a qualidade de vida das pessoas e dos grupos.
Um território verdadeiramente inclusivo e educador tem um conjunto de iniciativas de intervenção social, através da arte, junto de crianças e jovens, reclusos, pessoas portadoras de deficiência e cidadãos com problemas de saúde mental. A inclusão, a reflexão, o pensamento crítico, a valorização da diversidade cultural, o aperfeiçoamento das capacidades cognitivas e sociais, a ligação à literacia, a amputação dos preconceitos e a diminuição da discriminação em relação às pessoas mais vulneráveis constituem condições que devem ser permanentemente avigoradas.
As oficinas autorizam-nos a viajar, correr, saltar, rir, aplaudir, cair, levantar e trabalhar. Aquilo que realmente é importante neste tipo de projetos é o processo. Por exemplo, os livros individuais e coletivos, as exposições ou as peças de teatro, fruto das oficinas, permitem aos autores descobrir a escrita e a representação como formas de ver o mundo, de se ver no mundo, de se perceber, de compreender o outro, de compreender a sua relação com o outro, de se respeitar e de respeitar o outro.
A escrita e a representação são mecanismos que facilitam e proporcionam o entendimento dos espaços, aceitando as diferentes ideias, sonhos, propósitos, “paladares” e interpretações do mundo. Talvez a escrita e o teatro, em determinadas ocasiões, apresentem uma imagem ou um reflexo da sociedade que a própria sociedade se nega a aceitar.
As oficinas são autênticos projetos de continuidade. Somente os projetos de continuidade conseguem edificar valorosos e distintos contributos para os territórios. É relevante diferenciar atividades de projetos de continuidade, embora as atividades também cumpram um papel importante.

PJ – Pode falar-nos do seu caminho ao nível da escrita, enunciando os seus livros?
AG – Na verdade, sempre gostei de ler e de escrever. Desde 2007 que escrevo assiduamente, tendo, até ao momento, publicado 4 livros: Interpreta – Comunicação e Visão Estratégica, Sem Pausa Mas Sem Pressa, O Colo da Minha Alma e Os Ruídos do Mundo. Também sou autor representado em várias dezenas de antologias de poesia e de conto.
Os meus livros acabam por ser uma compilação dos artigos de opinião que vão sendo publicados nos jornais.
Também fiz recensões críticas e participei em projetos literários solidários, diversas feiras do livro e encontros de escritores. Fiz parte, em algumas edições, do conselho editorial da editora Lugar da Palavra e fui, durante muitos anos, representante da Chiado Books na zona centro do país. Enquanto representante da Chiado Books, tive a oportunidade de conhecer esta bela região e estar presente no lançamento de alguns livros das autoras e amigas, Celeste Almeida e Dulcí Ferreira.
Frequentemente sou convidado a apresentar livros de autores naturais dos concelhos da Guarda e do Sabugal, assim como a estar presente em diversas escolas para conversar com os alunos sobre a importância dos livros.
Um dos momentos que mais me marcou foi o de contemplar um ator, acompanhado por um pianista e várias bailarinas, a declamar, no Museu da Guarda, o poema da minha autoria “Desassossego”.
No ano passado, e no âmbito das comemorações do aniversário do Centro Cultural da Guarda, também subi ao palco, juntamente com uma pianista e algumas bailarinas, a declamar poesia. Momentos inesquecíveis!
De salientar também a minha presença, a convite das minhas distintas amigas Paula Jorge e Celeste Almeida, em programas da Rádio Lafões e da Rádio Limite. Portanto, a vossa região também está no meu coração.
 
PJ – Gosta de ler? Considera importante ler para se escrever bem?
AG– Adoro ler, embora não tenha muito tempo disponível para me dedicar à leitura.
Tal como já referi, estou presente em diversas escolas para conversar com os alunos sobre a importância dos livros. Procuro explicar-lhes que a palavra literacia vai muito para além de saber ler, pois engloba a leitura, a escrita e a interpretação.  Também procuro transmitir-lhes que viver sem ler é perigoso, pois obriga-nos a acreditar em tudo aquilo que nos dizem. A leitura e os livros são responsáveis por transformar os vassalos em verdadeiros cidadãos.  Acompanhados por os livros nunca estamos sozinhos, os livros afastam a solidão. Através dos livros conseguimos fazer escolhas conscientes e verdadeiramente livres. A leitura “afina” a população, acompanha o progresso e faz-nos questionar as decisões políticas, económicas, sociais, religiosas e culturais. Os livros abrem portas de universos que estão para além do imediato quotidiano. A leitura fomenta o apetite de aprender e desperta a criatividade. A leitura transforma-nos, ilumina-nos e faz-nos sonhar, viajar e refletir.
Considero que é importante ler para escrever bem. Se tivermos hábitos de leitura enriquecemos o nosso vocabulário, estimulamos o raciocínio, aperfeiçoamos a capacidade interpretativa, abraçamos a imaginação, desenvolvemos a criatividade, ampliamos o conhecimento e fortalecemos a comunicação, sendo, desse modo, mais fácil escrever bem.

PJ – Fale-nos da sua experiência enquanto colaborador em cinco jornais e em duas rádios.
AG – Neste momento, sou colaborador da Rádio Altitude e da Rádio Fronteira, assim como dos jornais Terras da Beira, Cinco Quinas, Portal da Beira, O Primeiro de Janeiro e Folha Fojeira. Fui colaborador do jornal Diário de Aveiro e tenho artigos de opinião, ligados à “festa brava”, publicados nas revistas Contra Barreira e Novo Burladero.
O primeiro artigo de opinião foi publicado no jornal Terras da Beira há mais de 15 anos.
Nos jornais e no espaço de opinião “Raia Inquieta” da Rádio Fronteira procuro dialogar com os leitores e ouvintes, inspirando-me, muitas vezes, em acontecimentos que marcam a atualidade, dando-lhe obviamente o meu toque pessoal, a minha interpretação. Os artigos de opinião apelam à reunião da razão, da emoção e da meditação. Quem os escreve palmilha a cidade, a região, o país e o mundo. Aquilo que verdadeiramente cativa e estimula o leitor é o ponto de vista, a cogitação e a independência do autor. A liberdade, inerente aos artigos de opinião, proporciona o envolvimento do autor em diversos caminhos, sem que para isso exista a necessidade de o mesmo se inquietar com os destinos que escolhe nesses próprios itinerários. Nos artigos de opinião não há um testemunho sem rosto, mas sim o testemunho de uma pessoa real.
O programa “Reflexo Imperfeito” na Rádio Altitude, rádio local mais antiga do país, tem um formato muito simples, mas que está a ser uma enorme e agradável surpresa, pois tem cativado os ouvintes, nomeadamente aqueles que, tal como eu, amam a poesia. Declamo um poema por semana que pode ser escutado todas as sextas-feiras com reposição ao sábado.
 
PJ – É Secretário da Assembleia Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Que importância tem para si este cargo?
AG – Sou Deputado Municipal na Assembleia Municipal do Sabugal (AMS) e Deputado Intermunicipal na Assembleia Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIMBSE), com funções de secretário da Mesa da Assembleia.
Entendo que denunciar aquilo que está mal é um dever e um direito. O meu comportamento crítico acaba por robustecer e enaltecer a democracia. Sou daqueles que leio atentamente todos os processos, faço críticas, apresento soluções e presto contas às populações. No anterior mandato, tanto na AMS, como na CIMBSE fiz várias dezenas de intervenções, tendo sido, seguramente, um dos deputados com mais intervenções políticas pertinentes e acutilantes.
Tal como sempre fiz, procurarei lutar para que a Comunidade Intermunicipal venha a ter dinâmicas diferentes e mais diligentes, assim como para que o território CIM seja contemplado como um território sem divisões.

PJ – Muitas histórias terá guardadas durante todo o seu percurso de vida e profissional. Quer partilhar connosco uma das histórias que mais o marcou?
AG – No anterior mandato, ainda no ano de 2017 e numa das primeiras sessões da Assembleia Municipal do Sabugal, um dos pontos da “Ordem do Dia” foi o da eleição dos membros para integrar a Assembleia Intermunicipal. Pedi a palavra e informei que neste ponto não poderiam votar os Presidentes de Junta de Freguesia, apenas os Deputados Municipais diretos. Foi a gargalhada geral do outro lado da “barricada”, assim como o silêncio absoluto por parte dos elementos da minha bancada. Perante a minha intervenção, o Presidente da Assembleia Municipal interrompeu os trabalhos e solicitou ao jurista da Câmara Municipal para ler e interpretar o que estava escrito na lei.  Depois da análise do jurista, que demorou sensivelmente 10 minutos, o Presidente da Assembleia Municipal toma a palavra para dizer que afinal o Deputado Municipal Alexandre Gonçalves tinha razão. As gargalhadas oriundas da outra bancada deram lugar a um silêncio avassalador. Caso não tivesse interpretado a lei, tinham sido eleitos três Deputados Municipais do PSD e apenas um, que até era eu, do PS. Assim, o concelho do Sabugal esteve representado na Comunidade Intermunicipal por dois Deputados do PS e dois do PSD.
 
PJ – Quer falar-nos de alguns projetos em que esteja envolvido e que ainda não tenhamos falado?
AG – Faço parte da Direção do Centro Cultural da Guarda (CCG), o maior embaixador itinerante da minha cidade e da minha região. O CCG nasceu em 17 de novembro de 1962. Tem estatutos aprovados por despacho ministerial com data de janeiro de 1963. Possui o estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública, por despacho do Sr. Primeiro Ministro, publicado em Diário da República de 10 de maio de 1986.
O CCG, com o lema “Pela Guarda, Pela Arte e Pela Cultura”, é constituído por várias valências como sejam: o “Conjunto Rosinha”, a escola de música, a escola de ballet e danças modernas, o “Conjunto Sessenta Cinco Estrelas”, o Orfeão, o coro Infantil e Juvenil, o Rancho Folclórico e o coro “Cantar Tradição”. O CCG promove a inclusão social da região na corrente produtiva da cultura, presenteando todos os cidadãos com condições e disposições de acesso à inventividade e criatividade artística.
O CCG ajuda-nos a cumprir a nossa identidade e a fugir à escravatura contemporânea. É fundamental preservar, promover e motivar as tradições!
Também sou o Presidente da Confraria do Cabrito na Brasa-Sabugal. Entendemos que nunca é demais promover e incentivar a produção de cabritos, preservar a qualidade e fomentar o consumo. Há inúmeras formas de saborear o cabrito, mas nós apostamos na brasa.

PJ – Acredita que a sociedade dá a devida importância ao setor da cultura?
AG– A cultura não dispensa as etapas de planificação, realização e avaliação do trabalho, assim como as estratégias de captação de recursos, tomada de decisões difíceis, ações de comunicação, prestação de contas e análise do impacto social. A arte necessita de um processo de aperfeiçoamento pertinaz que está fora do imediatismo comercial e somente conquista resultados de sublimidade ao fim de um longo período de tempo. A cultura outorga um contributo colossal para a melhoria da qualidade de vida das comunidades.
Os espaços de cultura têm forçosamente de estar atentos às metamorfoses sociais, às necessidades coletivas e às novas manifestações culturais.
Os Municípios têm forçosamente de apostar na cultura, pois a mesma é uma alavanca relevante para o desenvolvimento dos territórios, afirmando-os nas superfícies regional, nacional e europeia. É importante edificar contextos que ambicionem, verdadeiramente, o desenvolvimento cultural, social e económico das regiões. Fragilizar a desertificação, corrigir assimetrias e descerrar portas são objetivos imprescindíveis e inquestionáveis. A cultura também deve ter o papel de organizar as práticas pedagógicas.
É determinante que todas as regiões também sejam lugares de inovação, não só no que diz respeito às políticas culturais e de “renovação” artística, como também de “modernização” ambiental, urbana, social e económica. É necessário criar novos artistas! É necessário conceber novos públicos!
 
PJ – Para além de tudo o que já foi referido, que outras paixões nutre, que o completam enquanto pessoa?
AG– Fiz, durante muitos anos, voluntariado na Casa da Criança, instituição que acolhe crianças vítimas de maus-tratos.
Sou apaixonado pela “festa brava”, nomeadamente pela “Capeia Arraiana” que considero a minha alma identitária.
Amo a Guarda e a freguesia de Aldeia do Bispo que pertence ao concelho do Sabugal.
 
PJ – Apenas numa palavra, pode descrever-se?
AG– Perseverante
 
PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?
AG – O meu coração diz-me que vou continuar com o desassossego que me caracteriza.
 
PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, Alexandre Gonçalves! Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA! Peço-lhe que deixe uma mensagem breve a todos os nossos leitores.
AG – Que tenham hábitos de leitura e de escrita. Que promovam a inclusão social. Que sejam felizes!
Eu é que agradeço, uma vez mais, a oportunidade. Um abraço para todos os leitores e colaboradores do jornal Gazeta da Beira, especialmente para a minha distinta amiga, Paula Jorge. Grato!
15/09/2022

						
												
					 
								
				
				
			
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