João Fraga de Oliveira

A questão dos jovens… e não só.

 

– “Era importante a capacidade de retermos talento em Portugal”.

– “Há ou não condições para reter talento em Portugal?”

Estas duas frases, recentes, são do conhecimento público.

O autor da primeira é o Dr. Armindo Monteiro, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, quando, em 07/10/2023, comentava na RTP1 o Acordo na Concertação Social (ACS) entre o Governo, UGT e as confederações patronais, que a CIP não assinou.

A segunda é da autoria de um jornalista, utilizando essa frase como introdução da edição de um programa quinzenal na rádio pública (“Jovens, que futuro? – programa “Consulta Pública” – Antena Um – 20/09/2023).

Ultimamente, acentuou-se um discurso de preocupação com os jovens. Mais do que justificado, nas actuais circunstâncias económicas e sociais.

Contudo, também é importante ter em conta que sempre houve e haverá, ou pelo menos deveria ter havido e deverá haver, motivos para preocupação com os jovens. Em todas as gerações.

Por exemplo, na minha geração de jovem, uma das muitas preocupações da juventude era, como talvez a principal, a quase certa mobilização para a guerra colonial.

Mas não só. Tal como com as anteriores e seguintes gerações de jovens pelo menos até ao Vinte e Cinco de Abril, também a enorme dificuldade de acesso ao ensino superior, a não ser para quem, económica ou socialmente privilegiado (ou então com esforços e sacrifícios familiares desmedidos), podia sustentar o estudo superior (apenas existente nas três cidades mais importantes) ou até só o secundário, dos filhos (agora, e ainda bem, com a democratização / massificação do ensino, praticamente não há uma família em que não haja alguém que frequentou, está a frequentar ou vai frequentar um curso superior).

Portanto, (ainda) agora, sim senhor, têm os jovens (e suas famílias) razões para muita preocupação, mas muitas dessas razões, se é certo que podem ser mais ou menos acentuadas, são, na sua natureza, no essencial comuns às das anteriores gerações de jovens: a habitação e concomitante (im)possibilidade de prosseguirem os seus cursos e constituírem família, a (in)certeza de lograrem um emprego digno, enfim, a (não) garantia de se realizarem académica, profissional e pessoalmente.

Aliás, não se podem excluir dessas preocupações as que, projectadas a mais ou menos breve prazo, são já comuns aos “não jovens” (ou, se se quiser, menos jovens), como sejam a precariedade do emprego e outras precariedades associadas, os baixos salários, a sobre-intensificação do trabalho, a carestia dos bens e serviços essenciais, a dificuldade de acesso aos serviços públicos suportes da concretização de direitos fundamentais.

Tudo razões de preocupação de inquestionável legitimidade, na medida em que de cariz vincadamente humano e social e considerando o quanto estes dois conceitos são substantivamente indissociáveis.

E, todavia, o presidente da maior confederação empresarial portuguesa o que destaca no tratamento desta questão é a preocupação de lógica gestionária e economicista (que se presume macro e micro, do “país” e empresarial) de “reter talentos”, associando-a também à proposta da CIP, rejeitada no referido ACS de 7/10/2023, da criação de um “15º mês”.

Entretanto, se o enquadramento da questão dos jovens nessa lógica por parte da CIP não é surpresa nem até de considerar incoerente com a sua missão (e sobretudo com a sua história nestes acordos), surpreende, isso sim (ou talvez não…), que a nossa comunicação social (social), inclusive a comunicação social pública, não só confirme como até se antecipe a essa confederação empresarial na introdução da questão dos jovens por essa lógica, de índole gestionária e economicista, de “reter talentos”.

O programa acabou por ser excelente, não sobretudo pela orientação e moderação jornalística mas pela participação dos convidados, inclusive da parte dos que, na qualidade de “jovens” (nomeadamente, a presidente do Conselho Nacional da Juventude), reorientou o debate justamente para um sentido humano e social das preocupações dos jovens.

Resumindo, para as condições de formação, de trabalho e de vida, de “sustentabilidade do Estado Social”, de qualificação e emprego numa lógica de “comunidade e não numa lógica auto centrada no sucesso individual”, pressupondo que “fazemos parte de uma sociedade que exige que nos preocupemos uns com os outros”.

Voltando agora à frase do presidente da CIP, algo a ser mais considerado por esta confederação patronal do ponto de vista de emprego e de trabalho em vez da proposta do tal “15º mês” (que, aliás, como todos os almoços, “não é grátis”, no caso ao associar-lhe a pretensão de redução da TSU – taxa social única, suporte da sustentabilidade da Segurança Social[1]) (1), seria que nas empresas se entendesse e de facto concretizasse o conceito de “reter talentos” como  integrando uma concepções, modelos, processos e prática de gestão e organização quanto a receber (recrutar, selecionar, contratar) e “reter” (formar, enquadra, integrar, reconhecer) os trabalhadores jovens (aliás, tanto como os “não jovens”) desde logo não assentes numa lógica de baixos salários, na normalização da precariedade (fazendo degenerar em regra o que, inclusive legalmente, execepção deve ser) e na “infantilização” (discriminando-os no acesso a posições e responsabilidades de liderança, não obstante a sua superior qualificação e “melhor preparação de sempre”) dos jovens trabalhadores.

Enfim, é sintomático que (também) com “os jovens” se tenda para um enfoque conceptual e linguístico (as palavras fazem e desfazem coisas…) marcadamente gestionário e economicista, em que se esvazia a condição essencialmente humana e social de cada pessoa (jovens e não jovens), enfim, como alguém escreveu, em que, como tal, “os seres humanos já não são relevantes”[2]. (2)

É um facto que não surpreende esta linguagem e lógica de analisar as questões de índole económica, social e política, desumanizando subjectiva e objectivamente as pessoas. Isto na medida em que esta lógica e linguagem acaba por influenciar e modelar propostas e decisões de gestão e políticas e até, mais em geral, a aceitação e perspectivas de condições menorizadas de qualidade do trabalho e de vida.

No domínio do trabalho, isso é especialmente notório, não só escamoteando às pessoas o estatuto de trabalhadores (com a condição de subordinação económica e consequente fragilização de poder na relação de trabalho) com a generalização da designação de “colaboradores” (que nem sequer a Lei acolhe, pelo menos por enquanto…) como, mesmo, desumanizando a sua condição de pessoas que trabalham designando-os (e daí, eventualmente, concebendo-os de facto) como “recursos”, “activos” ou, como é aqui exemplo, “talentos a reter”. Ou, quem sabe, qualquer dia, “talentos a importar” ou “a exportar”.

Os “jovens”, sejam quais forem as circunstâncias, contextos e objectivos em que se foquem, são sobretudo pessoas, seres humanos. E daí, as políticas públicas, o quadro institucional e a gestão e organização das empresas a reflectir, criar e desenvolver como a eles especialmente dirigidas devem assentar na perspectiva, (estratégia, organização e meios) de lhes criar, também a eles, condições de emprego, de trabalho e de vida que, se assim o entenderem, lhes permitam viver no seu país, aqui se realizando académica, profissional, pessoal, familiar e socialmente.

Esta, pelo menos em Portugal, a questão de fundo dos jovens. Dos jovens e, também por eles ainda que não só por eles, não só dos jovens…


NOTAS

[1] Não se comenta aqui essa proposta, remetendo-se a sua análise para o editorial do anterior número da Gazeta da Beira (GB)  – “A proposta de Pacto Social apresentada pela CIP é apenas um artifício?” (GB de 28/09/2023 – Editorial Nº 856).

[2] Paul Mason – “Primeira lição da criação de um eu neoliberal” (in Um Futuro Livre e Radioso – Uma defesa apaixonada da Humanidade – 2019 – Editora Objectiva, pag. 72).


12/10/2023

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