EDITORIAL 856

A proposta de Pacto Social apresentada pela CIP é apenas um artifício?

Fomos surpreendidos há dias por uma grande operação mediática lançada pela CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) que anunciava um quase miraculoso aumento salarial de 14,75% para trabalhadores acrescido de um 15º mês como prémio.

Pareceu generosidade a mais, vindo de quem vinha, habituados a que aquela organização patronal defenda, ano após ano e mesmo num contexto de inflação, a maior contenção salarial possível, levando inclusivamente a uma erosão salarial que tem diminuído o poder de compra real de quem trabalha.

Escalpelizando um pouco a proposta da CIP, chegamos a conclusão diferente daquela que foi anunciada pela propaganda da organização empresarial.

De facto, o tal 15º mês seria meramente facultativo, sem qualquer reflexo nos salários e nas carreiras contributivas e seria isento de impostos e de contribuições para a Segurança Social. A UGT diz que a CIP quer “dar de um lado e tirar do outro” nas pensões.

Quanto ao aumento salarial de 14,75%, proposto pela CIP nos dois próximos anos, na verdade o aumento salarial seria de 4,75% e os restantes 10% iriam para um plano individual obrigatório de reforma no mercado privado. Ora, na Concertação Social, o acordo entre patronato e UGT para um aumento de 4,8% já existe. A novidade é a CIP querer transferir, de forma obrigatória, uma parte das reformas futuras para a “roleta” do mercado financeiro.

Aliás, este é o sonho de há muito do sector financeiro, conseguir retirar recursos à Segurança Social que garantem o pagamento das pensões, transferindo para bancos e seguradoras esses recursos.

A secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, defendeu que a proposta da CIP “não garante o aumento dos salários, atribui antes um prémio que, ainda por cima, é isento de contribuições da Segurança Social, portanto não tem reflexo na carreira contributiva”.

Com esta proposta, a CIP parece querer isenções na fiscalidade e nas contribuições para a Segurança Social, dinheiro de todos nós, criando uma espécie de ilusão sobre aumentos salariais, como forma de responder à crescente pressão dos movimentos laborais para que, perante o forte desgaste nos salários provocado pela inflação, se concretizem realmente atualizações nos salários que compensem o trajeto inflacionista que já vai em cerca de 2 anos.

Tudo isto configura um artifício, seguramente bem montado. Anuncia-se um prémio facultativo que não entra na carreira contributiva, fala-se num aumento salarial que afinal já está negociado, tira-se dinheiro à Segurança Social para benefício do sector financeiro e tudo isto tendo como contrapartidas isenções nos impostos e contribuições.  Resta saber qual vai ser a resposta do Governo e, já agora, dos próprios trabalhadores e sindicatos.

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