EDITORIAL 855

Centenário de Natália Correia – uma mulher desassombrada

Centenário de Natália Correia – uma mulher desassombrada

Natália Correia é uma figura singular, frequentemente desconcertante, da literatura portuguesa do Séc. XX. Nascida nos Açores, Ilha de S. Miguel, a 13 de setembro de 1923, Natália Correia cedo se instalou em Lisboa e conviveu com os maiores vultos da cultura portuguesa de então, Aquilino, Ferreira de Castro, Cesariny, Almada e tantos outros.

Poeta a deputada, talvez as suas facetas mais conhecidas, foi também romancista, tradutora, jornalista, dramaturga, guionista, ensaísta e editora. Foi uma convicta e intrépida defensora dos direitos da mulher, enfrentou a ditadura, trouxe luz e desassombro à nossa literatura.

Urbano Tavares Rodrigues fala de Natália e dos seus poemas “recheados de surpreendentes metáforas, por vezes atingindo a violência e a beleza de alguns textos inspirados onde se abrem múltiplas pistas de sentido para representar o universo concentracionário do fascismo português, a mediocridade e a repressão, a pífia moral salazarista, a hipocrisia quase geral como no célebre poema “Queixa das Almas Jovens Censuradas” de um dos seus melhores livros, “Dimensão Encontrada.”

Fernando Dacosta refere-se à noção de Mátria a que Natália acrescentou “a de Frátria – Frátria como símbolo de fraternidade, de igualdade, de equidade. Bate-se pela recuperação do sagrado, do politeísmo, do femininismo, do barroco, do diferente, e pelo repúdio da crucificação, do consumismo, do descontrolo demográfico, da arrogância indiferenciadora.”

Natália foi uma lutadora contra as discriminações, inclusive as territoriais e dos povos do Interior, das tradições e culturas populares, não fosse ela originária de uma terra ultraperiférica.

A evocação do centésimo aniversário do nascimento de Natália está a ser assinalado em vários pontos do País. Em Lisboa, as celebrações estendem-se até 2024 em diversos polos da cidade.  No dia de aniversário realizou-se a conferência “Celebrar Natália Correia”, por Filipa Martins, autora de “Dever de Deslumbrar – Biografia de Natália Correia”. A Assembleia da República tem agendada para a sessão plenária de sexta-feira a “evocação de Natália Correia”.

O Teatro da Malaposta, em Odivelas, terá em cena, “O Humúnculo”, sátira dos anos de 1960, censurada pela ditadura, que será também apresentada em Loulé. Em Ponta Delgada foi inaugurada a exposição “Natália Correia – Libertação e Absoluto”. Seguir-se-ão múltiplos eventos nos Açores.

Em Viseu, o Museu Nacional Grão Vasco acolheu o espetáculo do Teatro Off “Dão-nos um lírio e um canivete e uma alma para ir à escola”. A Faculdade de Letras da Universidade do Porto promove o colóquio “A Filosofia, a Literatura e o Diálogo Inter-Artes”, dedicado a Natália Correia.

Não é conhecida até ao momento qualquer iniciativa evocativa de Natália Correia na região de Lafões. Os nossos atores culturais talvez não tenham tido disponibilidade, mas ainda vão a tempo!

15/09/2023


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