Crónicas do Olheirão de Mário Pereira
Sem memória fica difícil conversar
Como é usual no início do ano letivo os sindicatos estão a gritar que há montes de problemas nas escolas enquanto o ministério da educação tenta dizer que o ano está a arrancar com normalidade.
A discussão sobre a falta de professores, que é um problema real, faz-me alguma confusão porque está a ser feita como se as pessoas não tivessem memória da sua própria vida.
Vejo e ouço dirigentes sindicais, professores e encarregados de educação muito ofendidos, porque o ministério está a colocar professores que não terão todas as habilitações, que se convencionou serem necessárias para ser professor.
Ao ouvir estes discursos, dei comigo a pensar que muitos dos atuais professores tiveram, no então ciclo preparatório e no secundário, muitos professores que não tinham habilitações para o ensino. Havia quem só tivesse o 7º ano do liceu ou das escolas industriais, quem ainda não tivesse acabado um curso e quem tivesse cursos de direito ou engenharia a dar aulas.
A wikipedia diz que: A Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV) foi a primeira unidade orgânica de um Instituto Politécnico a entrar em funcionamento em Portugal. No ano de 1983 iniciaram-se os primeiros cursos de formação de professores na antiga Escola do Magistério Primário.
Isto significa que até então professores devidamente habilitados eram só os que tinham frequentado o Magistério Primário (cuja a habilitação de entrada era o 9º ano) e nas universidades só as faculdades de letras, de ciências e os institutos de educação física formavam professores para os liceus
De facto só no início dos anos de 1990 começaram a aparecer os professores formados para o segundo ciclo e se generalizou a formação de professores pelas universidades.
Isto serve só para dizer que se então tivessem sido aplicadas as regras que vigoravam nos anos anteriores, como agora se defende, a maioria dos professores mais velhos não teria ido além da quarta classe, porque não havia professores devidamente formados habilitados para os ensinar.
Dir-me-ão que isso eram outros tempos, mas lembro-me de ouvir, naquele tempo, que ter professores sem formação era mau, mas seguramente foi menos mau do que não ter.
Com a perspetiva de décadas de precariedade é óbvio que a carreira docente se tornou pouco atrativa para os jovens. Assim, é lógico que faltem agora professores, mas isso deve-se tanto ao Ministério da Educação como aos sindicatos, que na verdade nunca quiseram encontrar uma solução para a precariedade dos professores no início da carreira
A agora que há a expetativa de haver emprego, os cursos de formação de professores já tiveram candidatos e sobretudo candidatos que colocaram esses cursos como primeira opção.
Enquanto isso, muitas das pessoas que, nos anos de 1980 e 1990, entraram na carreira docente por acidente, tornaram-se grandes professores, alguns até dirigentes sindicais, enquanto outros, entrando com todas as habilitações, nunca demonstraram terem jeito para a função.
28/09/2023
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