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A Educação em Pequenas Histórias - Desenha-me uma ovelha, por favor!

Hand write on notebook, on bright background

Nem sempre as impressoras e as fotocopiadoras foram um recurso disponível em todas as escolas. Quem trabalha como itinerante há alguns anos deve lembrar-se bem. Dizem que a necessidade aguça o engenho e o facto de nem sempre termos possibilidade de fotocopiar ou imprimir material no momento em que precisávamos dele, fez com que eu me tivesse desafiado a começar a rabiscar, para desenrascar.     Então se precisávamos de imagens para trabalhar o som /l/, nas folhas pálidas do teu caderno surgiam com rapidez luas, livros, lápis, lagartos e laranjas, perante os teus olhos ansiosos por descobrir o que iria sair dali desta vez.

Confesso que me tranquiliza rabiscar (pois não me atrevo a chamar aquilo desenhos) e ao mesmo tempo me diverte ver o teu entusiasmo de ir tentando adivinhar o que será…

“Hum… – dizias tu – … acho que já sei… um gato… espera… afinal é um coelho!!! Adivinhei, não adivinhei?” e terminar com um sorriso aberto enquanto, ao mesmo tempo, treinavas as palavras. Às vezes acabávamos os dois a rir, quando a girafa parecia mais um rinoceronte… E estava tudo bem.

Naquele dia senti-te triste. Os teus olhos não brilhavam como era costume e os ombros caídos revelavam o teu desânimo. Sentaste-te ao meu lado e disseste: – “Desenha-me uma ovelha, por favor!”. Olhei para ti e acenei com a cabeça. E lá comecei, risca para aqui, risca para ali, e aos poucos surgia algo semelhante a uma.

O teu olhar atento ao lápis de cor estava raso de lágrimas. Não disse nada… No silêncio deixei que houvesse liberdade para partilhares a razão do teu pedido, caso o quisesses fazer… E não demorou mais do que um minuto para que, com a voz embargada dissesses: – “O meu avô tinha um rebanho. Sabia o nome de todas as suas ovelhas. Nas férias levava-me a mim e ao cão para o monte. Morreu na semana passada e eu tenho muitas saudades dele.”. Abracei-te apenas… e naquele dia não houve mais desenhos, nem muito mais palavras… E em vez de uma ovelha, desenhei-te um rebanho num monte verdejante de boas memórias.

Terminei o dia relembrando os meus avós. A importância que cada um deles teve para mim. O carinho que me deram e tudo o que me ensinaram. Há pessoas que nunca se esquecem. Há cheiros, cores e sabores que ficam em nós para sempre. E os avós são assim…

Todos os lutos são difíceis e este processo não é mais fácil para as crianças do que para nós, adultos. Após o choque inicial, segue-se muitas vezes a raiva, por vezes o sentimento de culpa e a depressão, até se conseguir chegar à aceitação. Este é um processo longo e doloroso.

É importante dar à criança o tempo que necessita para interiorizar e fazer o seu luto. Torna-se fundamental entender que sendo criança, ela não terá as mesmas capacidades de se expressar como um adulto. Como tal, as evidências de sofrimento surgem muitas vezes através do comportamento, por isso é tão importante estar atento a ele.

Eu costumo dizer que o comportamento é um mensageiro, um sintoma, um reflexo… na sua origem estão quase sempre emoções e sentimentos com os quais a criança nem sempre sabe lidar. Cabe ao adulto estar atento, para assim poder ajudar.

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