Carlo Vieira

CLÁUDIO TORRES É PRÉMIO EUROPEU DO PATRIMÓNIO CULTURAL/ EUROPA NOSTRA 2023, NA CATEGORIA “CAMPEÕES DO PATRIMÓNIO”! (3ª parte)

Com efeito, ainda hoje nos ressentimos do nacionalismo, sobretudo o do século XIX e o da ditadura salazarista de ranço católico que obliterou mais de seis séculos de história do território português (o mesmo se passou em Espanha, embora aí a herança árabe, pela sua imponência, fosse mais difícil de apagar) onde floresceu uma civilização tolerante e culta, com coexistência pacífica entre os povos islâmico, judeu e cristão, e um desenvolvimento cultural e científico a fazer inveja ao resto do mundo. Astrónomos, matemáticos, médicos (Abu’l-Qasim al-Zaharawi, ou Abulcasis, médico,  farmacêutico e cirurgião de Córdoba, no século X e XI, até já fazia operações a tumores e às cataratas! Granada teve o primeiro hospital, tipo universitário, com várias especialidades), agrónomos, arquitectos, filósofos e músicos (Ziryab criou o primeiro conservatório do Al-Andaluz. Se Portugal é “um país de poetas” devemo-lo à herança árabe (al-Mu’tamid, Ibn’Ammâr, Albaji), uma vez que as cantigas de amigo têm nítida influência das “Jarchas” ou Carjas, escritas em dialecto hispano-árabe, ou em moçárabe com frequentes arabismos, também chamado “romance andaluz”.

Uma amiga minha, tunisina, a trabalhar em Portugal, estranhou que tendo o nosso país tantos vestígios da arte e da cultura islâmica, não estejam devidamente reconhecidos e valorizados e deu conta desse lamento em e-mails enviados a organismos que tutelam o Património e a Cultura, sem obter resposta.

Em Viseu, também a Cava (chamada erroneamente de Viriato), o maior monumento da Península Ibérica, poderá estar a ser vítima deste revisionismo histórico, quando o município retira as placas identificativas, ali colocadas por arqueólogos que atribuiam a sua construção, seguindo as teses de Vasco Mantas e de Helena Catarino, a Almançor (Al-Mansur) que teria mandado construir aquela enorme fortificação octogonal, em terra, rodeada de um fosso, para proteger os 25 mil homens que o seguiam a caminho da razia de Santiago de Compostela (com o apoio de nobres cristãos das Beiras que ajudaram ao saque), substituindo-as por outras placas a atribuirem a autoria da Cava a Ramiro II, como cidade áulica (para ostentar poder!?), que a terá deixado inacabada ao desistir de fazer de Viseu capital do seu reino (chegou a declarar-se “Rex Portucalensis”, em 925) para assumir a corte de Leão, após a morte de seu irmão Afonso IV. Estranha-se a facilidade com que se mudam placas identificativas e explicações históricas, quando os próprios autores desta tese, Manuel Luís Real e Catarina Tente, no artigo  “A Cava de Viriato (Viseu) – novos dados e interpretações”, publicado na obra “Do Império ao Reino – Viseu e o território entre os séculos IV a XII”, com textos seleccionados do congresso com o mesmo nome, organizado pelo Município de Viseu e o Instituto de Estudos Medievais, em Abril de 2016, reconhecem que “A Cava continua a ser um dos grandes mistérios da arqueologia portuguesa”. “(…) os dados da arqueologia, até agora obtidos, não são suficientes para se retirar qualquer conclusão definitiva.”

Não seria mais honesto para os viseenses e para quem nos visita, referir as várias teses sobre a origem da Cava até termos provas definitivas?…

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