António Moniz Palme (Ed. 742)

Crónicas

Casamentos Reais Luso Britânicos e a sua influência na História Portuguesa (Parte 2)

Ainda envolvidos pela faceta cor-de-rosa do casamento real do príncipe inglês Harry, devo prevenir que o Povo Inglês, na era moderna, teve sempre modo de interferir nas pretensões de casamento de um príncipe e de manifestar o seu claro desagrado. Não se pense o contrário!!!. Recordo que Jorge VI, pai da rainha Isabel II, subiu ao trono quando seu irmão mais velho, Eduardo VII se viu obrigado a abdicar do trono, único modo de poder casar com uma americana divorciada e que, para cúmulo, com posições tomadas muito pouco seguras em relação ao regime Nazi de Hitler. O povo não permitindo o casamento, afastou do Trono Eduardo VII, sendo este prevenido pelos serviços secretos que o Povo Inglês estaria de olho aberto sobre o seu comportamento em relação ao desenrolar da Segunda Guerra Mundial.

Não poderei esquecer igualmente um casamento real, entre uma princesa inglesa e um rei Português. Após o Tratado de Windsor, celebrado em 1386, entre o Rei de Portugal D. João I e o Rei de Inglaterra Ricardo II, que Portugal celebrou para se proteger de Castela, embora a tivéssemos derrotado, pouco tempo antes, em Aljubarrota. Através desse Tratado, Portugal comprometia-se a ajudar o Duque de Lencastre, filho do Rei de Inglaterra, a reivindicar a coroa do reino espanhol. Para tal, além das compensações em territórios conquistados a Castela e que passariam para o reino português, o Duque de Lencastre ajustou o casamento da sua filha mais velha, D. Filipa, com D. João I, Mestre de Avis.

Devo dizer que muita coisa se alterou na mentalidade portuguesa após a Batalha de Aljubarrota, a todos os níveis sociais, sendo criado um novo espírito de amor à Pátria, no modo de pensar do povo português. Na verdade, foram alteradas e sacrificadas definitivamente as fidelidades medievais que existiam a diversos níveis, determinadas por antigas suseranias e que perturbaram gravemente os valores assumidos e os comportamentos por parte da alta nobreza e do alto clero português, principalmente residentes em Lisboa, em relação a D. Beatriz, filha de D. Fernando, casada com o Rei de Castela. A mudança foi radical, os representantes dos três braços, às Cortes, clero, nobreza e povo, despojaram-se de tudo que não fosse o simples amor à sua Terra, a fidelidade ao seu Rei e a defesa dos interesses da colectividade. Porém, igualmente foi radical a moralização de costumes trazida pela nova rainha D. Filipa de Lencastre. O ambiente social alterou-se de sobremaneira, o respeito pela integridade da mulher passou a ser visto pelas elites por um prisma totalmente diferente, prevalecendo as orientações moralizadoras da Igreja, incluindo a punição dos prevaricadores, fosse qual fosse a sua categoria social…!

Filipa de Lencastre fez entrar uma aragem moralizadora nas terras portuguesas, onde se incluíam os costumes matrimoniais, através do seu exemplo de vida. O Rei, inteiramente dominado pela afeição e pela admiração pela integridade intelectual de sua mulher, colaborou nessa revolução de costumes e de modos de vida. Claro que, nesta perspectiva, a educação dos filhos foi uma das grandes preocupações da Rainha, tendo a sua educação intelectual e humana completado a respectiva formação e treinamento de cavaleiros e de guerreiros. Assim nasceu uma ÍNCLITA GERAÇÃO” ou os “ALTOS INFANTES”, como igualmente eram conhecidos pela população em geral, tendo essa geração de príncipes influenciado altamente a educação dos filhos dos membros da elite portuguesa. E nunca a Rainha descurou a preparação militar e política dos filhos. Apesar de moribunda, exprimindo essa sua preocupação, fez entregar aos filhos, na partida para a conquista de Ceuta, em 14 de Maio de 1415, de espadas que tinha encomendado anteriormente para esse fim.

Embora todos conheçam os componentes da Ínclita Geração, é sempre bom recordar os seus nomes inesquecíveis. D. Duarte, o filho mais velho e que foi rei de Portugal, sucedendo a seu pai D. João I, demonstrou desde muito novo dotes excepcionais de temperança, zelo e inteligência, fazendo publicar as obras da sua autoria, como poeta e intelectual, “O Leal Conselheiro” e “Arte de bem cavalgar toda a sela”., expressando a corrente cultural materna, que nele teve grande influência. As pragmáticas contra o luxo nos costumes portugueses, igualmente teve a significativa marca do espírito britânico da altura. Aliás, como a Lei Mental, cujo desejo de publicação já estava no espírito de seu Pai. Exactamente, chamava-se Lei Mental por já estar na mente de D. João I. Por um lado, veio criar a possibilidade a algumas famílias de gerirem bens dados pelo Estado, para com esses fundos estarem preparados para acorrer a determinadas necessidades militares e sociais do reino e, por outro lado, era uma forma de colocar um travão na corrupção e na roubalheira dos bens públicos por parte de gente sem escrúpulos, que aproveitando o comércio nascente e a confusão pós guerra, tomou abusivamente posse de património que não lhe pertencia.

Perante o desastre de Tânger e como o exército português só foi autorizado a retirar para Portugal, deixando ficar cativo, como penhor, o Infante D. Fernando, o Rei D. Duarte, convocou e ouviu democraticamente as Cortes. Só com a entrega de Ceuta seria o Príncipe libertado. D. Duarte exigiu ouvir a opinião sobre a proposta muçulmana de libertação do irmão. Mas, Ceuta era necessária aos objectivos do Reino Português. Os sacrifícios foram muitos com essa conquista., razão porque Ceuta não podia jamais ser devolvida. E não foi, sacrificando-se a pessoa do Infante Santo, que morreu abandonado, nas masmorras de África, com a auréola de Santo, até perante os carcereiros seus algozes. D. Duarte tomou uma decisão de homem de Estado ouvindo as Cortes e decidindo de acordo com os interesses do seu Reino, contra os seus sentimentos fraternais. Acto democrático e de enorme significado.

O segundo filho, D. Pedro das Sete Paridas, que percorreu o mundo em viagem científica, ajudando com os seus conselhos algumas cabeças coroadas, adquiriu um significativo prestígio, igualmente como esclarecido cabo de guerra, não só na Europa, como na Terra Santa. Aproveitou, nas suas deambulações, para ajustar o casamento de uma princesa de Aragão com o seu Irmão D. Duarte e do Duque de Borgonha com a sua Irmã D. Isabel, que se revelou uma rainha fora de vulgar, participando na condução da vida política do seu marido Felipe o Bom. A sua actividade diplomática mereceu-lhe o maior respeito, até dos seus inimigos. D. Pedro era responsável por uma Escola Náutica, parecida com a Escola de Sagres de seu Irmão D. Henrique.Com a sua infeliz morte, em Alfarrobeira, essas duas escolas foram praticamente unidas na sua estratégia, o que não acontecia antes.

Além do Infante D. Henrique da Escola de Sagres, Príncipe que iniciou a Era dos Descobrimentos, e de sua irmã, D. Isabel, Duquesa de Borgonha, fazia ainda parte da Ínclita geração um filho mais novo de D. João I, também chamado João, nomeado terceiro Condestável do Reino, sucedendo a D. Nuno Álvares Pereira naquele alto cargo, e que casou com uma sobrinha, filha do Duque de Bragança, seu meio Irmão. Esclareço que D. João I teve um romance, quando ainda solteiro, com uma lindíssima judia de nome Inês Pires, filha do célebre Barbadão, comerciante por grosso, na Guarda, de solas e cabedais. Desse romance, nasceu D. Afonso, o primeiro duque de Bragança, que casou com a única filha de D. Nuno Álvares Pereira. Desse casamento surgiu uma rapariga, D. Beatriz, que casou com um tio, o agora referido D. João, filho mais novo de D. João I, e meio irmão D. Afonso de Bragança. Devo esclarecer que tanto D. Afonso como uma irmã, igualmente filha ilegítima de D. João I, foram chamados para a Corte e foram educados por D. Felipa de Lencastre como se fossem seus filhos. Na verdade, os filhos naturais só começaram a ser maltratados e abandonados há muito poucas décadas.

Nestes termos, não posso deixar de afirmar que a Ínclita Geração fez a revolução do Renascimento em Portugal. Ora, o sangue inglês de D. Filipa contribuiu para essa revolução.


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