O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (23)
O clero judaico, que não tinha autoridade judicial para condenar Jesus à morte, conspirou para que o governador romano o fizesse
Depois de Jesus, no templo de Jerusalém, ter atirado ao chão as bancas dos que aí trocavam dinheiro, os fariseus e alguns partidários de Herodes questionaram-no perguntando:
Devemos ou não pagar impostos ao imperador romano? Respondeu: Tragam-me uma moeda. Trouxeram a moeda e Jesus perguntou: De quem é esta figura e esta inscrição? Responderam: Do imperador. Jesus então disse: Dêem ao imperador o que é dele e a Deus o que é de Deus.
Assim inteligentemente Jesus evitou negar a soberania de Roma sobre os judeus e condenar o pagamento de impostos aos romanos, o que seria punível com a morte.
No evangelho de Marcos, 12, 18-27 e também em Mateus, 22, 23-33 e em Lucas, 20, 27-40 é defendida por Jesus a sobrevivência do espírito depois da morte, o que não consta dos cinco primeiros livros bíblicos (o Pentateuco ou Tora), só tendo sido afirmado mais tarde por influência de outras religiões e culturas, nomeadamente a grega e as de origem na Índia. A corrente religiosa dos grandes sacerdotes do templo de Jerusalém seguia o entendimento do monoteísmo hebraico antigo que negava que cada humano se compusesse de corpo e espírito, o espírito sobrevivesse à morte e o corpo regressasse depois à vida unindo-se ao espírito com a prometida vinda do Messias como defendiam os fariseus e Jesus:
Foram os saduceus ter com Jesus. Porque entendiam não haver ressurreição, perguntaram-lhe: Mestre, Moisés deixou-nos escrito na lei: Se um homem morrer e deixar a mulher sem filhos, o irmão a seguir deve casar com a viúva para assim dar descendência ao irmão falecido.
Numa casa havia sete irmãos. O mais velho casou-se e morreu sem filhos. O irmão seguinte casou com a viúva e também morreu sem filhos. Sucedeu o mesmo com cada um dos seguintes até ao sétimo. Por último morreu a mulher. No dia da ressurreição, quando os mortos voltarem à vida, de qual deles será ela mulher?
Jesus respondeu: Estais enganados. Não conheceis o poder de Deus nem as escrituras. Quando os mortos tornarem a viver são como anjos no céu. Os que ressuscitam não se casam. Não lestes no livro de Moisés o escrito acerca do arbusto em que Deus lhe disse: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? (Êxodo, 3, 2-6). Não é pois Deus dos mortos, mas dos vivos.
No evangelho de Marcos, 12, 28-34, também em Mateus, 22, 34-40 e em Lucas, 10, 25-28, é referido sobre a centralidade do humanismo com dever de os humanos se entenderem entre si, se respeitarem e auxiliarem:
Um doutor da lei perguntou a Jesus qual é o mais importante de todos os mandamentos. Jesus respondeu: O mais importante é: Escuta Israel, o nosso Deus é o único Senhor; ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, toda a alma, todo o entendimento e todas as tuas forças (Deuteronómio, 6, 4-5). O segundo em importância é: Ama o teu próximo como a ti mesmo.
O doutor da lei disse: Mestre, falaste com verdade ao afirmar que Deus é único e não há outro além dele (comparar com Deuteronómio, 4, 35) e que devemos amá-lo com todo o coração, todo o entendimento e todas as forças; e devemos amar o próximo como a nós mesmos. É melhor seguir esses mandamentos do que queimar animais em sacrifício e outras ofertas semelhantes (comparar com Oseias, 6, 6).
Assim pela interpretação do judaísmo defendida pelo judeu Jesus foi tornado alargável a todos os humanos o monoteísmo judaico, o que possibilitou a reforma religiosa seguida pelos seus seguidores, o cristianismo, vir a aspirar, sobretudo com a corrente de S. Paulo, ao alargamento ao império romano e à universalização.
A concepção monoteísta hebraica considera que deus único é apenas deus dos hebreus na medida em que eles foram o seu único povo escolhido. O espírito da reforma pregada por Jesus é mais conforme com o monoteísmo, porque, sendo todos os humanos da mesma espécie animal e criados por deus único, são necessariamente ontologicamente iguais.
Os grupos judaicos que combatiam o reformador Jesus, nomeadamente os fariseus que tinham com ele afinidades resultantes do entendimento de os humanos serem compostos de corpo e alma com sobrevivência da alma após a morte física, procuravam provocá-lo em público para atrair sobre ele a perseguição romana e assim o levarem à morte. São relatadas nos evangelhos diversas outras provocações dos fariseus. O grande clero judaico da corrente dos saduceus acabou por o fazer prender e entregar ao poder do procurador romano Pilatos sob a acusação de atribuir a si mesmo a qualidade de rei dos judeus, o que punha em causa a legitimidade da soberania romana na Palestina, sendo pelos romanos considerado crime punido com a morte. Essa acusação era a que convinha ao clero judaico porque podia fundamentar a aplicação da pena de morte a Jesus, o que só o poder romano podia fazer. Mas a real razão por que o grande clero judaico queria que Jesus fosse condenado à morte não terá sido pôr ele em causa o domínio romano na Palestina, mas a destruição por Jesus, no Templo judaico (em Jerusalém), do duplo negócio do câmbio do dinheiro romano pelo dinheiro cunhado pelo alto clero judaico saduceu, que administrava o Templo, com o fim exclusivo de os crentes comprarem os animais (novilhos, cabritos, cordeiros e pombos) a sacrificar no templo, dinheiro que, após a venda dos animais, tinha que ser trocado de novo pela moeda romana. As oferendas religiosas no templo não eram consideradas válidas se não fossem compradas com o dinheiro cunhado pelo alto clero do templo. Esse negócio era altamente lucrativo para o alto clero saduceu que administrava o Templo. Há ainda que ter em conta que a carne dos animais oferecidos pelos crentes para serem sacrificados no templo se destinava ao consumo pelo clero e as suas famílias.
Pilatos, no cimo da cruz em que o fez supliciar, talvez percebendo a verdadeira razão por que Jesus foi acusado pelo clero do templo, para que fosse pública a acusação de resultou a pena de morte, mandou afixar no instrumento da morte, a cruz, o escrito referido nos evangelhos com o fundamento da condenação invocada: «Rei dos Judeus», significando que fora acusado e condenado por essa razão e não por ter contestado o negócio do alto clero.
Em 66 depois de Cristo, os múltiplos grupos judeus que se opunham aos romanos sublevaram Jerusalém. O combate aos revoltosos durou até ao ano 70, dirigido por Tito, filho do imperador Vespasiano, que mandou destruir o Templo.
Com a derrota muitos judeus da classe dirigente foram desterrados e espalharam-se pelas maiores cidades do império romano, onde já havia colónias de imigrantes judeus e engrossaram-nas. Outros continuaram na Palestina e aí mantiveram viva a tradição religiosa e cultural judaica segundo a corrente farisaica até aos anos 132-135 depois de Cristo, quando uma nova revolta judaica fez o tolerante imperador Adriano ordenar o desterro do restante das classes dominantes judaicas da Palestina, deixando nela pouco mais que o povo miúdo judeu que vivia do trabalho na terra, da pesca, do pastoreio e do artesanato.
A destruição do Templo havia feito desaparecer o grande clero judaico que vivia dos sacrifícios de animais no templo e de outras ofertas. Assim desapareceu a sua corrente religiosa, a dos Saduceus, tendo a corrente farisaica passado a dominar nas suas casas de oração (sinagogas), que não eram templos, mas espaços de reunião e de estudo, e a ser a adoptada por todos os judeus. Essas casas de oração e outros rituais religiosos (sinagogas) mantiveram a coesão entre os judeus dispersos, primeiro no império romano, depois por outras partes do mundo.
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