A. Moniz Palme (Ed. 701)

O Apelo misterioso de África e o Medo da actual realidade

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Quem passou por África, pelos antigos territórios portugueses, ficou marcado para sempre. Esse mistério profundo é bem conhecido do Povo Luso. O chamamento da selva equatorial, da savana, das chanas, das areias do deserto e das suas gentes de costumes bem diferentes, é constante, perturbando o sono com o remorso surdo da saudade, povoando os sonhos com estranhos passes de feitiçaria tribal, chegando ao ponto de nos fazer reflectir sobre a nossa vida europeia, dependente das rédeas do consumismo e eivada de egoísmo isolacionista. Na verdade, as nossas raízes oriundas do velho continente sempre contracenaram com a vida de aventura e sacrifício, nas novas terras descobertas, longe da paz e da civilização para onde, até por castigo social ou criminal, o Estado nos mandava de grilhetas, para cumprir pesadas penas. Apesar de todas estas circunstâncias, o romantismo, a vertigem do desconhecido, a liberdade de aspirar sofregamente a natureza, ainda marcavam as cartas, agarrando com braços e pernas quem lá aportava. Tal sentimento ainda existia de modo significativo quando por lá vagueava!!!. Na altura, procurava tentar descobrir qual o feitiço que atraía irresistivelmente para as plagas africanas alguns dos meus entes queridos…!

Na verdade, essa atracção nunca morre. Acontece o mesmo que às brasas na lareira que, no borralho, quase desaparecem da nossa vista. Mas, na realidade estão vivas e bem acesas. À mínima aragem, por mais ténue que esta seja, ficam incandescentes num ápice e em breve surge uma labareda bruxuleante que nos consome a alma de alegria e de calor humano. È quase como o patriotismo que finge adormecer na rotina do dia a dia e que ao mínimo pretexto explode vigorosamente, com toda a sua plenitude e até com alguma irracionalidade…!

Apesar da minha idade, continuo a sentir actualmente o apelo do continente africano que, por razões de doença de um familiar, não tive possibilidade de concretizar. Neste momento, o apelo continua, se bem que tomado de um pavoroso medo do que lá poderei encontrar. A política de assimilação, nos grandes centros urbanos, é agora feita apenas e só apenas pela possibilidade económica de cada um, destruídos os liames com os próprios grupos tradicionais, após as deslocações maciças para os bairros periféricos dos grandes centros urbanos, como consequência das guerras civis. A massificação dos laços com os valores da embala e com a filosofia tradicional da cubata é uma grave epidemia que grassa pelos espíritos mal formados dos actuais responsáveis africanos, situação tão bem caracterizada pelo escritor Água Luza. Ora, com a destruição dos valores tradicionais, a pobreza veio à tona de água nua e crua, com todo o descaramento, sendo um factor determinante na vida dos grandes centros. A contracenar, as grandes fortunas dos políticos, o império do betão, a liberdade da destruição da paisagem submetida às miseráveis regras do lucro fácil. Bem longe moram já os interesses das comunidades gentílicas, descendentes da Rainha Ginga, e do espírito colonizador português realizado pelos que amavam com fervor a sua nova terra, nos diferentes Continentes deste Mundo.

Esta a razão porque sinto medo, senão mesmo terror pelo que possa deparar nas terras herdeiras das antigas províncias ultramarinas. Tenho obrigação de ir a Moçambique visitar a cidade de Ressano Garcia, única colectividade que manteve o nome português, o nome do meu bisavô, o ministro Frederico Ressano Garcia, cujos habitantes gostariam de me ver e aos meus familiares a cirandar pelas suas ruas, homenageando aquele lugar, os seus moradores e o meu antepassado. Apesar das dificuldades, mais cedo ou mais tarde terei que cumprir essa missão, bem como matar as terríveis saudades que tenho de todos os cantos de África. Mas, o livro de Miguel Henriques, escritor da nossa terra, fez me recordar toda a poesia e romantismo de África. os banhos em Luanda, na Praia do Garrafão, os almoços nos restaurantes da Ponta da Ilha, os banhos na Restinga do Lobito, as passeatas nocturnas em Benguela, a vivência alegre com a gente de Malange, nomeadamente com o seu Bispo, em mangas de camisa, a tratar das couves e das flores no quintal e a ir correr rapidamente vestir a indumentária grave do chefe da Igreja Local para receber os visitantes. As almoçaradas com os habitantes de todas as cores pelas terra espalhadas pelo interior de Angola, as caçadas, nomeadamente na Baixa de Cacéns, como o meu amigo Nunes da empresa Cotonang, por onde andei quase uma semana, dormindo ao ar livre, numa cama de algodão. Acordava com o sol a bater me na cara, com galinhas a debicar junto de mim e uma enorme quantidade de criançada a olhar para nós com um misto de curiosidade e de troça por estarmos a dormir ao relento. A beleza da Savana e o mistério das Chanas com as suas pacaças e palancas, bem como os alegres socos encheram-me o espírito de encantamento e o desejo absoluto de fazer alguma coisa por aquela terra e por aquela boa gente. Nas viagens à noite, até uma família de leões topei esparramada no local de cruzamento de estradas, ao pé da campa onde está enterrado o minhoto Zé do Telhado que lá acabou os seus dias, tendo tido um trabalho de ligação com as comunidades indígenas de enorme importância. Ainda hoje é lembrado, não como salteador de estradas, mas como um grande Homem, amado por gente de todas as raças.

…E a beleza das Quedas Duque de Bragança? E a imponente Tundavala nos arredores de Sá da bandeira, actual Lubango? Meu Deus que belezas deslumbrantes tive a felicidade de ver e viver…! Bem recordo com amargura a Floresta de Maiombe e os meus queridos amigos Cabindas, que na sua história nunca foram uma colónia e, apesar de não terem qualquer ligação territorial a Angola, foram dados de mão beijada ao novo estado de Angola, sob a vigilância das espingardas para si viradas das forças cubanas para lá enviadas. Na verdade, o comunismo internacional e os seus mesquinhos interesses materiais fizeram uma facção do MFA, na descolonização, por razões puramente ideológicas, criar uma nova colónia em Cabinda, e entregarem-na, bem como a liberdade da sua gente a Angola. O Zeca Afonso, já muito doente, ficou tão indignado que queria ir para lá lutar na guerrilha. Espero bem que Cabinda depressa recupere a sua liberdade, que criminosamente os fiéis da balança da politica mundial, como lá estão bem instalados a usufruir do seu petróleo, fingem não ver e calam bem calados, ao contrário do que faziam em relação à administração colonial portuguesa.Mas, mudemos de assunto e voltemos às belezas africanas incontáveis e sempre renovadas na sua permanente magia. A demanda nas areias de Nabibe, num jeep Willis, acompanhado do meu amigo Eng. Carlos Raposo, da rara planta carnívora do deserto de Moçâmedes, Welwitschia Mirabilis, e das correrias atrás dos avestruzes e das zebras que a espaços, emolduram a paisagem e, já mais perto dos centros populacionais, as criações bem organizadas e tratadas de caraculo, um ruminante muito valioso por causa da sua lã apetecida para a confecção de casacos de peles. E se tal não chegasse, ficaríamos estupefactos e de boca aberta como a história do heróico fundador da cidade de Moçâmedes, o Beirão e escritor de Nogueira do Cravo, Bernardino de Castro, que sem as mínimas condições de vivência, conseguiu fixar centenas de colonos brancos, junto ao Rio Bero, e que, juntamente com as populações gentílicas da região, fizeram nascer um Sul de Angola civilizado e progressivo. Bons tempos em que tive a oportunidade de encontrar o Lopes, um antigo amigo Sampedrense, filho do Sr. Lopes, Chefe da Estação de S. Pedro do Sul, com quem ia beber uma cerveja “Cuca”, para lhe contar novidades de S. Pedro e Ele da sua nova Terra africana. Tenho que voltar a África, custe o que custar, para matar saudades e, no futuro, para festejar com os meus amigos Cabindas a libertação da sua terra e dos seus interesses da pata dos angolanos e da ditadura económica internacional que explora de modo infame uma comunidade inteira, cujos intelectuais tiveram que fugir para o estrangeiro para não serem mortos e parte dos habitantes obrigados a refugiarem-se nos países limítrofes, para se libertarem da ditadura opressora da agora potência colonial angolana.

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Redação Gazeta da Beira