A. Moniz de Palme (Ed. 726)

A Herança Estalinista no Partido Comunista Português

Edição 726 (26/10/2017)

A Herança Estalinista no Partido Comunista Português

Quando ainda andava pelos bancos da escola, verificava existir, na maioria das pessoas, uma visão completamente distorcida da Rússia, da sua vida política e do modo como o seu Povo era tratado, isto é, a relação existente entre a ditadura do proletariado e a colectividade. Eu pensava ser tal desinformação o contraponto à nossa forma de governo não democrática, durante a Segunda República, numa perspectiva europeia, elogiando-se um país onde não havia qualquer assomo de liberdade e cuja maneira de viver não tinha comparação com a nossa. Como era possível que os que discordavam com a falta de liberdade de expressão e de associação em Portugal, viessem com o exemplo da vida num país comunista…!? Contudo, tal não justificava as ideias erradas que a esquerda comunista ou não propalava no nosso meio intelectual. Imagem que os bem pensantes e os jornalistas da esquerda nos impingiam, ano após ano. Era deplorável, principalmente para quem começava a descobrir, pelos seus próprios meios, a situação de opressão e a triste miséria em que, na realidade, se atolava o Mundo Soviético. E não pensem que estou a chamar desonestos a tanto intelectual e político que cantava loas ao “Paraíso Soviético” e às “Amplas Liberdades”.  No fundo, iam ao encontro de uma moda um tanto snobe e, principalmente, cómoda. Quem não alinhasse, pelo menos, pela prática marxista, nem sequer à atribuição de intelectual tinha direito. Na verdade, na maior parte das pessoas que encarreiravam ao lado dos comunistas professos, eu constatava a boa fé de alguns, embora cada vez mais raros, que no seu íntimo acreditavam que “Moscovo era o Sol do Mundo” e nas virtudes da Ditadura do Proletariado. Era a concretização evidente da filosofia da cegueira espiritual. Perante esta situação, cheguei a duvidar dos meus próprios princípios e dos valores que me tinham ensinado e tinha aprendido. Ao mesmo tempo, alguns amigos de peito, que se diziam comunistas, começavam de motu próprio a duvidar da sua cartilha política e a pôr em causa as suas convicções. Também cheguei à conclusão que estavam metidos numa máquina infernal de onde não podiam sair livremente, pois eram obrigados ao silêncio absoluto mesmo quando não compreendiam algumas atitudes do poder comunista em relação a tudo, nomeadamente em relação às rebeliões populares contra o poder constituído, como aconteceu, por exemplo, na Hungria ou na Checoslováquia.  Só muito mais tarde, com a possibilidade da leitura do “Arquipélago  Gulag” de Aleksandr Soljenitzyn, que acabou por sair da União Soviética, em 1974,  por não concordar com o regime então vigente, é que muitos abriram definitivamente os olhos, ficando a saber, sem qualquer sombra de dúvida, da infelicidade de um Povo cuja vida assentava sobre milhões de mortos, preço da imposição do regime comunista na União Soviética. E já não me admirei quando um popular russo me perguntou se eu já tinha ouvido falar em Álvaro Cunhal, tecendo sobre Ele, à socapa, duríssimos comentários, e dizendo que era um dos responsáveis pela colaboração moral que a Europa tinha dado ao longo dos tempos aos crimes e atrocidades estalinistas! Na altura, não acreditava ainda que a ditadura soviética pudesse desabar sobre os seus próprios erros, como desabou. O povo russo apenas podia segredar o seu descontentamento, pois temia o que lhe poderia acontecer às mãos da KGB, se abrisse a boca contra o regime.

Outra conclusão a que cheguei é que a maior parte dos elementos da chamada esquerda proto comunista portuguesa eram de uma ignorância incomensurável e dela não queriam sair por uma questão de cómodo seguidismo. Não sabiam contrariar os que eram considerados intelectuais e aceitavam todos os disparates que lhes impingiam. Triste realidade, principalmente num meio universitário onde na altura vivia. Comecei então a estudar a formação dos diversos partidos comunistas europeus, tendo ficado esclarecido com a constituição de Partido Comunista Italiano, em 1921, nascido de uma cisão da esquerda do Parido Socialista, liderada por Amadeo Bordiga e António Gramsci, que abandonaram o partido socialista e passaram a planear destruir o Estado Burguês, abolir o Capitalismo e realizar o Comunismo através da ditadura do proletariado, nos termos definidos por Lenine. Porém, mais tarde, o partido comunista italiano, em 1956, renuncia à tomada violenta do poder e adopta a via italiana para o socialismo, isto é a via democrática, formulada por Palmiro Togliatti, após as teses dadas a conhecer por Gramsci, em Lyon. Começa a expansão do Euro Comunismo, favorável ao pluralismo democrático, uma corrente de oposição ao estalinismo, com referência à democracia europeia. Mas a actuação do partido comunista italiano começou por ser uma excepção ao andamento e programa dos restantes partidos comunistas europeus, de raízes profundamente estalinistas. Contudo, as coisas foram evoluindo, perante o isolamento que os comunistas começaram a sentir por parte da colectividade, em toda a Europa. Todavia, mesmo Enrico Berlinguer, apesar de concorrer às eleições democráticas, foi mantendo um relacionamento político com o PCUS, nunca se verificando uma ruptura total com a corrente estalinista dos outros partidos comunistas. Em França, o partido comunista lá começou a concorrer democraticamente às eleições. Foi um passo em frente que serviu de exemplo a toda a Europa. Os comunistas começaram a praticar a democracia eleitoral. Igualmente, o Príncipe D. Juan Carlos, quando se viu na contingência de alimentar o pós franquismo ou instituir a democracia em Espanha, celebrou antecipadamente um pacto secreto com todas as forças políticas em jogo, incluindo o chefe dos comunistas espanhóis, Santiago Carrillo, obtendo a alteração política em Espanha, democraticamente e sem grande turbulência.

Cá em Portugal foi mais difícil, Cunhal era o preferido da ala estalinista europeia e preparava-se para tomar conta do país à força. Valeu a acção de Mário Soares e de Francisco Sá Carneiro e de outros políticos, bem como o comportamento corajoso do General Pires Veloso e de outros seus camaradas de armas, fazendo frente à célula comunista do exército que representava uma ínfima percentagem das forças armadas. Mesmo assim, os intelectuais do Grupo dos Nove manobraram a vida política portuguesa de modo a evitar uma confrontação de consequências graves, pois o ódio ao comunismo, na altura do golpe de 25 de Novembro, era grande e aceso, como se viu por todo o País no assalto às sedes partidárias comunistas.     Toda a população, devido à Guerra de África, sabia manejar uma arma, e todos estavam resolvidos a suster a tiro os avanços dos comunistas no seu programa de nos aprisionarem à forçar com uma nova ditadura…! Não se escandalizem, mas era assim mesmo. A chamada facção portuguesa anti comunista, numa guerra civil, iria destruir completamente o que ficaria do partido, sendo tal um atraso no processo democrático que se pretendia. Felizmente os comunistas abandonaram os elementos da extrema  esquerda na praça pública, desaparecendo repentinamente na iniciativa tentada no 25 de Novembro e seguiram as pisadas dos partidos comunistas europeus, aceitando eleições livres e a convivência democrática.

Claro que o actual presidente do P.C., Jerónimo de Sousa, embora obrigado à prática democrática, deve ainda sonhar com os velhos tempos da actuação bolchevista estalinista, razão porque, na primeira oportunidade, foge-lhe a boca para a verdade, e desata a elogiar o regime Venezuelano de Maduro, onde as liberdades fundamentais, o direito de expressão e de associação são figuras de pura retórica, para esquecer e fazer desaparecer do mapa.  Ainda por cima, sendo milhares de emigrantes portugueses as vítimas da ditadura venezuelana, num país em que o Povo morre à fome, não tem remédios para se tratar e não consegue sobreviver mais tempo, as declarações do responsável do Partido Comunista são pouco sensatas, estalinistas e inconcebíveis na conjuntura europeia. É uma pena que ainda não tenha tido tempo para ler “O fim do Homem Soviético”, Prémio Nobel da Literatura, de SVETLANA ALEKSIEVITCH.

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