A. Moniz de Palme (Ed. 703)

A leitura do livro “De Lamego ao Lubango” de Miguel Henriques e a consequente Peregrinação Interior

A leitura do livro “De Lamego ao Lubango” de Miguel Henriques e a consequente Peregrinação Interior

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O meu amigo e escritor Miguel Henriques publicou um novo livro onde relata a sua Peregrinação Interior na vida militar, as dificuldades que teve para vencer todas as contrariedades surgidas e os confusos, complexos e imprevisíveis problemas nascidos nos últimos dias de estadia no cenário da guerra colonial angolana. Como bom português que é, cumpriu as suas obrigações militares, independentemente do modo como encarava a guerra colonial e a política seguida na administração das antigas províncias ultramarinas. Na verdade, desde sempre os que cumpriam as obrigações militares não podiam nem deviam fazer um julgamento da moralidade ou da razão de determinado conflito, como era o caso do nosso diferendo colonial. Tal seria matéria de decisão dos responsáveis do País e seria junto deles que teriam que ser manifestadas as diferentes opiniões. E se não fosse corrigida a situação, teria que funcionar o mecanismo de alteração política, numa perspectiva democrática, ou, com um golpe de força numa situação extrema, como aconteceu em Portugal. Mas, os que se batem e se sacrificam em nome dos interesses do País, integrados numa hierarquia militar, estejam ou não do lado certo, têm que ser admirados, louvados e respeitados. Só gente sem nada na cabeça e sem princípios não respeita os nossos combatentes, pense-se o que se pensar da guerra colonial…! Esta minha posição é de caso pensado e tive a ocasião de a expressar exuberantemente, no Parlamento, enquanto deputado.

Mas o livro agora publicado expressa bem o drama diário por que passaram todos os portugueses que estiveram integrados nas forças armadas e que se bateram em África, cumprindo as suas obrigações, apesar dos grandes sacrifícios feitos e dos atrasos que sofreram nas suas vidas. E sorte tiveram de não ter regressado à sua terra estropiados ou dentro de uma embalagem de pinho. E basta tal para este livro constituir um importante e imprescindível documento para futuro, ultrapassados que sejam alguns juízos bem pouco sérios que por aí, embora raramente, ainda vagueiam, estabelecidos pelo execrável seguidismo político, nem sempre sensato e correspondente à realidade. No caso concreto, na verdade, estou perante um breviário que expressa a vida de qualquer portuguesinho chamado às fileiras e que cumpriu o serviço militar sem tugir nem mugir, procurando apenas recordar, após o regresso, a parte agradável dessa aventura, o feliz convívio e conhecimento de incontáveis amigos que encontrou nessa fase da vida, e dos momentos de solidariedade com que se debateu em situações difíceis. Além do mais, todos sabemos que o cumprimento do serviço militar disciplina a nossa mente e o nosso comportamento e cria em cada um o espírito de corpo e um espírito de sacrifício que não mais se esquece. É uma autêntica Escola de Homens. Ao mesmo tempo, o autor deixa transpirar por todos os cantos a nostalgia das terras africanas, o exotismo da sua diferente natureza, a simpatia e portuguesismo da sua gente, a sua bizarra fauna e a atracção da savana e das chanas, a sua extravagante e florescente flora. Por toda a sua prosa, nos intervalos da vida castrense, perpassa a pacífica maneira de viver dos portugueses que lá residiam há gerações e da sua convivência com as populações autóctones. Os passeios por si feitos pelas zonas comerciais das povoações, as relações estabelecidas com amigos e conhecidos, tanto portugueses vindos de fresca data do “puto” como estabelecidos há gerações e gerações pelos diferentes cantos de Angola, demonstram claramente o ambiente pacífico que se vivia, tanto nos aglomerados populacionais como no mato e que uma administração política colonial, completamente errada, sediada na capital europeia, subverteu até ao paroxismo, ultimada com uma desgraçada descolonização levada a cabo por determinado sector político do MFA…!!!. Poder-se-ia pensar que tudo aconteceu devido à extrema ignorância dos responsáveis, uma espécie de aprendizes de feiticeiros que se meteram a tutucar um vespeiro sem saber como acalmar as ondas de violência que poderiam despoletar e, tristemente, despoletaram.  Mas se calhar não foi essa a causa remota. A política da assimilação foi um rotundo desastre. O abandono do programa dos diversos comissários régios que pretendiam a aplicação a cada território ultramarino de uma lei orgânica adaptada às condições locais e à cultura das populações, foi uma calamidade. A aberração da Lei do Indigenato foi rematada com a desastrada Assimilação, sem o mínimo de condições de aplicabilidade. As comunidades indígenas deveriam ter tido salvaguardadas nas suas instituições sociais e familiares, bem como deveria ser reconhecida a autoridade e prestígio aos seus chefes tradicionais, através da concessão às suas pessoas de uma maior independência, autoridade e importância. Mas não, em vez disso, apenas se procurava ter as autoridades debaixo de mão, utilizando-se os piores meios, como é o caso do medo, da compra e da corrupção…!.

E o escritor Miguel Henriques explica bem que, nos termos do Acordo do Alvor, foi formado um Colégio Presidencial, formado pela Unita de Jonas Savimbi e o seu braço armado Fala, o FNLA de Holden Roberto, e o seu braço armado ELNA e o MPLA de Agostinho Neto e o seu braço armado FAPLA. Estas três correntes políticas organizariam as eleições, a administração territorial e constituiriam posteriormente um exército formado por guerrilheiros das três facções. Todo o armamento e poder de fogo continuaria na mão do exército português até democraticamente ser encontrada em liberdade a vontade da população angolana. Mas não, os interesse motivados pelo apropriamento das matérias-primas angolanas, desequilibraram os pratos da balança, pois os elementos do MFA de determinado pendor político, entregaram armas aos elementos do MPLA, criando o protesto e até o medo nos componentes das outras facções que, perante a situação de desigualdade extrema em que se encontravam, iniciaram assaltos aos paióis dos aquartelamentos portugueses, para de lá tirarem armamento, mais que não fosse por legítima defesa. O assalto à coluna militar e ao comboio mala, partidos do Luso para Huambo são exemplos paradigmáticos. E a desculpa pública logo aparecia a atenuar o mal cometido. As Forças Armadas Portuguesas estavam a fornecer armamento ao MPLA. Enfim…pobres militares e civis que pagavam estas patifarias políticas, tendo que abandonar os seus teres e haveres adquiridos durante toda uma vida dura de trabalho em Angola. E assim, o grito de liberdade angolana transformou-se numa guerra civil sem quartel, de consequências lamentáveis.

Mas, voltemos ao novo livro de Miguel António Henriques, matéria que agora nos interessa. Na verdade, além do drama que todos os leitores pressentiram, o seu modo de escrever, rodeou toda a sua narrativa de uma grande dinâmica e de um permanente interesse que me empolgaram desde a primeira à última página. O Lafonense Miguel Henriques está de parabéns por mais este interessante livro que deu à estampa.

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