2. Um atraso

Há 100 anos: a conclusão da Linha do Vale do Vouga

Ed644-Daniel-Melo_Comboio02_Scan0004Em Setembro de 1913 já havia comboios a circular entre Bodiosa e Viseu. De Bodiosa saíam dois comboios ascendentes, um às 4h48 e outro às 15h21; de Viseu desciam outros dois, às 10h30 e às 16h30. A viagem demorava quase meia hora (JL, 12-10-1913).  Previa-se também para muito breve a abertura da linha entre Vouzela e Ribeiradio, completando a ligação já construída até Espinho e ramal de Aveiro.

Em Outubro trabalhava-se intensamente na construção da linha entre as Termas e S. Pedro do Sul. As trincheiras estavam já rasgadas e os trabalhos de construção das pontes de Negrelos e do Pego já começados.

O director geral da companhia francesa que fazia a construção, o engenheiro Audigier, tinha apostado com o engenheiro-fiscal das obras nomeado pelo Estado que a linha seria toda inaugurada antes do fim do ano. O desafio não passou despercebido ao redactor do Jornal de Lafões:

E vá lá uma inconfidencia: Está uma aposta feita entre o fiscal do governo e M.r Audigier, director geral da Companhia. O primeiro diz que a linha só está em exploração no fim de janeiro; e o segundo assevera que será antes do meado de dezembro.

A aposta é de 12 garrafas de champagne.

Teriamos um imenso gosto em provar do champagne, mas pago pelo fiscal do governo.  (JL, 26-08-1913).

A parte mais difícil e delicada do troço entre Vouzela e Bodiosa era a construção das duas grandes pontes sobre o Vouga, em Negrelos e no Pego. Neste último local estava já montada a complicada armação de madeira, o cimbre, que havia de servir para assentar o grande arco da ponte.

Foi então que as chuvas de Outono fizeram subir de repente as águas do Rio Vouga:

Uma inesperada, embora pequena cheia do Vouga, atirou abaixo com os cimbres da ponte do Pego, uma linda ponte, por signal, do Valle do Vouga. É atrazo de mez e meio, dizem os constructores, na abertura geral da exploração. Lá se vae a aposta de mr. Audigier! Que azar o nosso, que já faziamos bocca doce a um delicioso champanhe authentico…

E acrescentava, com ironia, o redactor do jornal:

O cimbre estava assente sobre um bloco no meio do rio, bloco que se formava na areia. Isto de alicerces em areia, tanto em Portugal como em França, são falsos, n’est ce pas messieurs les ingenieurs? (JL, 12-10-1913).

Na mesma edição, o correspondente das Termas, dava mais pormenores sobre o insucesso:

– Com as chuvas abundantes dos ultimos dias, engrossou bastante a corrente do rio Vouga.

No sitio do Pego deslocou e arrastou com ela o madeiramento do azimbre da ponte de pedra ahi em construção. Tem aquelle nome a peça de madeira em fórma de leque, sobre que vão assentando as pedras do arco da ponte, e que retiram deste fechado e argamassado.

Alem de retardar um pouco a conclusão dos trabalhos, acarretou este contratempo para a companhia prejuizo que se calcula ser superior a 2 contos.

A barca que alli tinham para serviço, foi arrastada na corrente, vindo ás Thermas os da companhia pescal-a á corda na terça-feira.

Tambem no sitio dos Vales desabou sobre a linha uma grande pedreira que dá mais de 300 carros.

Com estes contratempos frustraram-se as previsões optimistas da companhia. A linha só seria completada em 1914 e S. Pedro do Sul teria de esperar até lá pelo comboio.